Vitor
Bemvindo/Cosme Leonardo Almeida Maciel (org.)
Lutas Anticapital, 1ª edição. 2020.
320 páginas
Janaina
Karla Pereira da Silva Rodrigues Firmino[1]
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9592-9450
Grazielle Alves dos Santos[2]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3103-9798
[1] Professora
da Secretaria Estadual de Educação de Goiás, Pedagoga do IFG – Campus Águas
Lindas, Licenciada em Matemática (UFG) e Pedagogia (IESA), Mestra em Educação
(UFG), Doutoranda em Educação (UFU), Membra do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Infância e Educação - NEPIE (UFCat) e do Laboratório de Análise de Políticas e
Gestão da Educação – LAPGE (UFU), e-mail:
janaina.firmino@ifg.edu.br
[2] Professora EBTT do IFGoiano – Campus Urutaí, Licenciada em Química (PUC
Goiás), Mestra em Ensino de Ciências (UnB), Doutoranda em Educação (UFU), Membra do Grupo
de Estudo e Pesquisa em Química – GEPEQ (IFGoiano) e do Laboratório de Análise
de Políticas e Gestão da Educação – LAPGE (UFU), e-mail: grazielle.santos@ifgoiano.edu.br
Publicado no Brasil em novembro de 2020, frente a um contexto de pandemia
da COVID-19, desvalorização da ciência brasileira produzida e crescente
movimento social de negacionismo, Contraescola: A experiência do Instituto
Politécnico de Cabo Frio (Bemvindo e Maciel, 2020), apresenta uma reflexão
sobre a educação politécnica que visa a formação humana omnilateral com vistas
a uma educação emancipadora ligada
às concepções contra-hegemônicas de educação frente a força do neoliberalismo.
O livro organizado por Vitor Bemvindo e Cosme Leonardo Almeida Maciel,
ambos, ex-docentes do Instituto Politécnico do Cabo Frio, é composto por treze
artigos que relatam experiências científico pedagógicas durante os anos de 2008
e 2016, período de funcionamento do instituto.
A obra faz uma divisão em duas
partes para distribuição dos capítulos. Parte I denominada “Pesquisas,
histórias e fundamentos” contém seis capítulos e na Parte II “Experiências do
Instituto Politécnico de Cabo Frio” estão os sete demais capítulos.
A divisão torna a leitura fluída e situa o leitor uma vez que na Parte I
concentram-se artigos que contém os fundamentos teóricos metodológicos
utilizados na instituição e que foram objetos de pesquisa de seus respectivos
autores, enquanto que na Parte II estão relatos de experiências vivenciadas no
contexto educativo do instituto.
Observação importante a ser feita é que todos os capítulos são escritos
por pesquisadores que participaram ativamente da rotina do instituto seja na
condição de docente ou de discente durante o período de sua existência.
O livro contém além dos treze capítulos um prefácio escrito por Maria
Ciavatta que foi orientadora de Vitor Bemvindo em sua tese de doutoramento.
Vitor, um dos organizadores do livro, atuou como professor do instituto de 2010
a 2016 e em sua tese intitulada “Por
uma história da educação politécnica: concepções, experiências e perspectivas”,
defendida em 2016 se propôs, conforme consta em seu resumo, a dedicar ao estudo
da experiência do Instituto Politécnico da Universidade Federal do Rio de
Janeiro em Cabo Frio, tentando compreender as contribuições desta instituição
para a construção de novas perspectivas para a educação da classe trabalhadora
no Brasil (BEMVINDO, 2016, p. 8).
Há
também uma introdução denominada “Contraescola: apontamentos introdutórios”
escrita pelos organizadores do livro onde os mesmos preparam o leitor para
compreenderem as bases teóricas que permeiam o conceito de Contraescola,
ancorados em autores como Gramsci e Mészáros, além de explicitarem o porquê da
escolha de usar essa expressão até então empregada de forma literária pelo
escritor uruguaio Eduardo Galeano em seu livro “De pernas pro ar: A escola do
mundo ao avesso” (GALEANO, 2011), livro que tece uma narrativa acerca do papel
da educação frente a sociedade burguesa contemporânea.
O
mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a
esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de
imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda. Em sua escola, escola do
crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação. Mas está
visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem
desalento que não busque seu alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua
contraescola (GALEANO, 2011, p. 17).
Para
Vitor Bemvindo e Cosme
Leonardo Almeida Maciel “a contraescola emerge da resistência à escola do mundo
ao avesso, apresentando-se como uma alternativa a esse modelo hegemônico de
cultura escolar.” (BEMVINDO e MACIEL, 2020, p. 18) ou seja, se pode
“compreender a contraescola como sendo as formas contra-hegemônicas de se
pensar a educação” (BEMVINDO e MACIEL, 2020, p. 18).
Diferente
da maioria dos livros que são constituídos por capítulos/artigos de autores
diversos que giram em torno de um mesmo tema, nesta obra, para além da temática
em comum, a citar, educação unitária, socialista, politécnica, emancipatória,
todos os capítulos têm o mesmo locus de atuação e imersão das pesquisas
realizadas e experiências adquiridas, neste caso, o Instituto Politécnico da
Universidade Federal do Rio de Janeiro em Cabo Frio - IPCF, onde estão
respaldadas as informações e base teóricas científicas relatadas em cada
capítulo. Os capítulos convergem na mesma corrente epistemológica de uma educação
contra-hegemônica.
O primeiro capítulo “Trabalho e educação na perspectiva da extensão
universitária: antecedentes históricos e construção do Instituto Politécnico de
Cabo Frio” de Marcella Freire Ventin e Vitor Bemvindo, remonta a trajetória
histórica construída nas ações de extensão da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ a partir da década de 1980 até culminar na criação do IPCF. O
capítulo inicia com um debate sobre o conceito e o lugar da extensão
universitária dentro das instituições de ensino, onde o que se vê é que “a extensão universitária, na maior parte dos casos, é uma
área de ação tradicionalmente marginalizada no ensino superior, demonstrando
que as universidades brasileiras são, em sua maioria, voltadas para si
próprias” (BEMVINDO
e MACIEL, 2020, p. 31).
Nele é possível visualizar projetos que antecederam ao IPCF, como, o
Projeto Maré que trazia uma concepção de educação “que reunia elementos da
educação integral de orientação socialista, da educação popular freiriana e da
educação politécnica” (BEMVINDO e MACIEL, 2020, p. 37) e a Escola Municipal de
Pescadores de Macaé – EMPM onde as “práticas
ali aplicadas retomaram elementos do Projeto Maré, aprofundando-os em uma
experiência melhor referenciada pedagogicamente” (BEMVINDO e MACIEL, 2020, p. 45). E ainda compreender o objetivo principal da criação do
instituto que era a construção de um novo modelo que contemplasse uma formação
integral, que considerasse os alunos seres unos, que buscasse autonomia e que
preparasse para o mundo do trabalho, através do uso de metodologia com ações de
tutoria e com projetos interdisciplinares para organizar e fundamentar saberes.
O
capítulo dois “O caráter contraescolar do Instituto Politécnico de Cabo Frio:
aspectos políticos-pedagógicos e metodológicos” também escrito por Vitor
Bemvindo traz reflexões presentes em sua tese e em artigos por ele produzido. O
objetivo deste capítulo é analisar a construção dos referenciais ético-políticos,
teórico-metodológicos, político-pedagógicos e da metodologia de ensino do
Instituto Politécnico e ressaltar a dimensão contra-hegemônica de cada um
desses elementos, para caracterizar o caráter contraescolar da experiência em
questão. Ao ler o capítulo tem-se bem definido os conceitos de educação
politécnica de base marxista e de trabalho como princípio educativo, além da
maneira como os docentes valeram-se da pedagogia de projetos e nela realizaram
modificações para que a mesma coaduna-se com a proposta do instituto.
O
terceiro capítulo “Educação fundamental em tempo integral e o princípio
educativo do trabalho no Instituto Politécnico de Cabo Frio: uma articulação
necessária” de Cosme L. Almeida Maciel é um desdobramento da pesquisa concluída
pelo autor no âmbito do mestrado e tem como objetivo refletir sobre a
possibilidade do trabalho ser categoria central no processo formativo, no
segundo segmento do Ensino Fundamental, tendo em vista proporcionar a formação
plena dos sujeitos. Neste capítulo Maciel discorre sobre o princípio educativo do
trabalho com base marxista, através de autores como Saviani, Ciavatta e
Frigotto. E ainda relata como o IPCF desenvolvia o princípio educativo do
trabalho através de suas práticas instituídas na realização de projetos e o
tempo integral na perspectiva de Gramsci.
Intitulado
“Metodologia de projetos e formação integrada: a experiência do Instituto
Politécnico de Cabo Frio”, o capítulo quatro escrito por Jullia Turrini surge
através de sua pesquisa de mestrado também sob orientação da profª Maria
Ciavatta. Nele é possível compreender como a Pedagogia de Projetos foi adotada
pelo IPCF enquanto ferramenta metodológica capaz de desenvolver a Formação
Integrada. Sendo importante destacar que durante o processo de adoção de tal
metodologia no IPCF “buscou-se ter em vista a compreensão do conceito de
projetos enquanto uma totalidade social, e não apenas de cunho
funcional-liberal como é apresentado nos estudos de Dewey” (BEMVINDO e MACIEL, 2020, p. 121).
O
capítulo cinco “Instituto Politécnico de Cabo Frio e pedagogia
histórico-crítica: limites e perspectivas para a construção de uma educação
politécnica” de Camila Castello Branco de Almeida Porto é um recorte de sua
dissertação e o mesmo pretende:
A
partir da experiência e da análise da proposta do Instituto Politécnico de Cabo
Frio (IPCF) avançar na discussão político-pedagógica e metodológica de uma
educação contra-hegemônica. Dessa forma, o texto está organizado de modo a
abordar brevemente os fundamentos da pedagogia histórico-crítica (PHC) e,
posteriormente, as suas possíveis contribuições na proposta pedagógica do IPCF
acerca da construção de uma educação politécnica. (BEMVINDO e MACIEL, 2020, p. 121).
“A
formação de trabalhadores de nível médio na perspectiva da politecnia: o perfil
dos egressos do Instituto Politécnico de Cabo Frio” de Maria Gabriella Pinheiro
Silva é o sexto capítulo oriundo de uma pesquisa desenvolvida durante seu
mestrado. O perfil dos egressos do IPCF foi dividido, para fins de análise, em
três momentos: os sujeitos da pesquisa e suas trajetórias formativas; o
contexto em que vivem e a situação atual com relação ao trabalho e/ou estudo.
Nele é possível acompanhar o processo de formação de trabalhadores de nível
médio integrado desenvolvida pelo IPCF.
Os
capítulos sete a treze são respetivamente: “Educação e trabalho na prática de
cinema: apontamentos teóricos sobre uma experiência” de Paulo Maia, “Contribuições
do Instituto Politécnico de Cabo Frio/RJ para os estudos de gênero e
sexualidades no contexto escolar: limites e perspectivas” de Bianca Salles
Pires; “Ensino de língua portuguesa – um olhar para a prática em sala de aula”
de Loide Leite Aragão Pinto e Gabrielle Loyola Vieira; “Aprendizagem histórica
no Instituto Politécnico de Cabo Frio: um diálogo entre concepções e
expectativas de formação humana” de Laís Santos de Paula (aluna da 1ª turma de
Ensino Médio do IPCF); “Linguística e poética no IPCF: uma abordagem via poesia”
de Mario Henrique Domingues; “Carnaval e educação: essa mistura dá samba! Uma
análise do projeto carnaval no Instituto Politécnico de Cabo Frio” de Renata
Artiaga Borges; “Narrativas gravadas: a ressignificação da pesquisa a partir da
xilografia e da transposição de linguagens” de Thiago Camargo de Albuquerque.
Conforme já citado esses sete últimos artigos do livro encontram-se na Parte II
e, por meio deles é possível conhecer
parte das diversas experiências desenvolvidas na prática cotidiana do IPCF,
alguns trazem inclusive anexos com imagens/registros dos trabalhos
constituídos.
Ao
se pensar na leitura de um livro composto de capítulos escritos por diferentes
autores, muitas vezes, tem-se a sensação de que os conceitos ali narrados serão
descritos de forma superficial, todavia não é o que ocorre com o livro em
questão. O mesmo
consegue aprofundar suas discussões dentro das principais temáticas que propõe
abordar.
Trata-se de um livro de base marxista, e mesmo sendo para iniciantes
tornou compreensíveis os princípios que regem uma educação politécnica,
contra-hegemônica que tem como base o trabalho enquanto princípio educativo.
Repleto de referências que convergem com o referencial teórico utilizado,
aguça o leitor e indica caminhos de onde é possível imergir de maneira mais
intensa nos assuntos discutidos.
Importante ainda destacar o quão rica de detalhes e fatos é a experiência
narrada sobre o percurso de existência, mesmo que curto, do IPCF.
Em tempos de crise, Contraescola: A experiência do Instituto
Politécnico de Cabo Frio (Bemvindo e Maciel, 2020) é um convite até mesmo
para os menos entusiastas a acreditar e lutar por uma educação unitária. Ele
renova a esperança de que a mudança social pode e deve ser feita através da
educação. O que foi vivido no IPCF é resultado de um trabalho estruturado,
realizado por um corpo de docentes com formação inicial e continuada
consolidada que logrou êxito não somente em seus discentes, mas na comunidade
local e mesmo não existindo mais de forma física, presente e real, pode
inspirar outros através do compartilhar de seus conhecimentos e experiências.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BEMVINDO, Vitor; MACIEL, Cosme L. Almeida
(org.). Contraescola:
a experiência do instituto politécnico de Cabo Frio. Marília: Lutas
Anticapital, 2020. 320 p.
BEMVINDO, Vitor. Por uma
História da Educação Politécnica:
concepções, experiências e perspectivas. Niterói: UFF, 2016. Tese (Doutorado em
Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2016.
GALEANO,
Eduardo. De pernas pro
ar: A Escola do Mundo ao Avesso. Porto Alegre:
L&PM Editores, 2011.