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Heloisa Alves Braga

(Mestra em Literaturas de Língua Portuguesa – PUC Minas.

E-mail: heloisa.alves.braga@educacao.mg.gov.br)

 

RESUMO

 

Durante muito tempo a escola preocupava-se apenas em ensinar os alunos de forma padronizada e regular, estabelecendo um modelo de ensino que era seguido pelos alunos, primeiramente os discentes eram vistos como indivíduos que precisavam de conhecimento e que o único que poderia lhes proporcionar tal conhecimento seria o professor. Tempos depois, as correntes construtivistas vieram e mostraram que os alunos já chegavam às escolas com um conhecimento prévio e que o professor teria o papel de mediador do conhecimento, o qual não é exclusividade da escola. Nos anos 2000, com inovações tecnológicas, o estudo aprofundado das inteligências múltiplas e com o desenvolvimento da Neurociência, a qual, se juntando à Educação, vem tentando mostrar como o cérebro aprende, criando assim o conceito de Neuroeducação. Este artigo pretende analisar o processo de ensino-aprendizagem, como ele era visto anteriormente e como é visto nos dias atuais, e verificar, por meio de pesquisa bibliográfica, baseada em estudiosos da área, como a Neurociência contribui para a compreensão e melhoria do processo de ensino-aprendizagem, bem como a importância da introdução da Neurociência no contexto escolar e na formação do professor.

 

Palavras-chave: Neurociência. Aprendizagem. Educação.

 

1. INTRODUÇÃO

 

            A Neurociência vem se tornando cada vez mais presente no cotidiano, pesquisas sobre o funcionamento do cérebro ligado a inúmeras outras ciências são divulgadas todos os dias no mundo, por isso, compreende-se a importância de estudar sobre o assunto, principalmente interligando-o a um outro assunto tão importante para a humanidade: a Educação.

            Assim, decidiu-se escrever este artigo para refletir sobre a importância da Neurociência e a maneira como ela pode contribuir para que sejam repensados o ensino e o processo de ensino-aprendizagem, bem como repensar as metodologias de ensino e a prática docente.

 

 

2. MUDANÇA DE PARADIGMAS

 

Há muito que estudiosos vêm dizendo que é preciso repensar o ensino. As escolas têm se enfrentado muitos problemas em relação ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem dos alunos, já que pauta suas avaliações em um modelo padronizado, como se todos pudessem ser avaliados da mesma forma. Esta maneira de tratar os alunos de forma homogênea esbarra nas teorias modernas, as quais reconhecem que cada pessoa aprende de uma maneira, uma vez que existem oito tipos de inteligências, conforme pressupõe Gardner (1995), são elas: linguística, lógico-matemática, visual-espacial, cinestésica ou corporal-cinética, musical, interpessoal, intrapessoal e naturalista. Sendo que esta última foi acrescentada por Gardner em estudos posteriores.

Para Willians, citado por Moraes e Torre (2004, p. 88), “A pesquisa sobre o cérebro manifesta o que muitos educadores sabem intuitivamente: que os alunos aprendem de diversas maneiras e quanto mais maneiras se apresentarem, tanto melhor aprendem a informação”.

Sendo assim, o que fica em evidência é que tanto o ensino deveria ser diferenciado, uma vez que cada indivíduo é diferente do outro, quanto a forma de avaliar cada um deveria ser mudada. Permitindo assim, que cada estudante pudesse ressaltar as habilidades que tem mais afinidade e desenvolver outras que não lhe são tão naturais. Dessa forma, o papel do professor

 

[N]Essa tarefa docente envolve a disposição para compreender os alunos em suas particularidades individuais e situacionais, acompanhando sua evolução no contexto em sala de aula. (...) a disposição do professor para conhecer seus alunos como indivíduos deve estar impregnada de sensibilidade e de discernimento a fim de evitar as generalizações excessivas e de afogar a percepção que ele tem dos indivíduos num agregado indistinto e pouco fértil para a adaptação de suas ações. Essa predisposição para conhecer os alunos como indivíduos parece, aliás, muito pouco desenvolvida nos alunos-professores (...). A aquisição de sensibilidade relativa às diferenças entre os alunos constitui uma das principais características do trabalho docente. Essa sensibilidade exige do professor um investimento contínuo e em longuíssimo prazo, assim como a disposição de estar constantemente revisando o repertório de saberes adquiridos por meio da experiência (Tardif, 2003, p. 267).

 

Além desse contexto de análise do processo de ensino-aprendizagem em si, todo o contexto social deve ser levado em consideração nas escolas, pois a Neurociência tem contribuído em estudos que refletem a influência do meio social na forma como o ser humano aprende. Liberato e Silva (2015, p. 11109), explicam que, “[...] para a neurociência o cérebro da criança é concebido numa dimensão para além dos aspectos biologizantes, haja vista que nos processos de aprendizagem aportam aspectos biológicos, cognitivos, psicológicos, culturais e subjetivos complexos.”

Porém, deve-se ter cuidado ao refletir sobre isso para não cair na cilada de afirmar que as pessoas apenas desenvolvem-se quando têm predisposição para uma determinada coisa, como se tudo dependesse de dom e/ou talento, quando a Neurociência traz evidências de que a prática e a constância têm maior influência do que a inclinação para a área.

Nesse sentido, Ratey ( 2001, p. 198) ressalta que

 

Pensar é, com efeito, um processo, uma função biológica desempenhada pelo cérebro. O processamento do pensamento é o ato de receber, perceber e compreender, armazenar, manipular, monitorar, controlar e responder ao fluxo constante de dados. A capacidade para ligar de forma competente as informações oriundas das áreas de associação motora, sensorial e mnemônica é decisiva para o processamento do pensamento e para a consideração e planejamento de futuras ações

 

Por isso, o papel da escola deve ser criar mecanismos de aprendizagem em que o aluno consiga fazer ligações entre o que está aprendendo e seu cotidiano, sendo levado a realizar questionamentos, reforçando sua autonomia e desenvolvendo diversas habilidades e competências, as quais serão fundamentais para a resolução de problemas diários.

Para Carvalho (2011, p.47),

 

[...] uma vez que professores compreendem a aprendizagem como processo humano que tem raízes biológicas e condicionantes socioculturais do conhecimento adotam uma gestão mais eficaz tanto das emoções quanto da aprendizagem de seus estudantes.

 

Dessa forma, o professor compreende que é preciso gerar emoção nos alunos para que eles aprendam, que eles se sintam estimulados e com vontade de continuar aprendendo e, com isso, desenvolvendo habilidades e competências que permitem que o aluno aprenda de forma completa, ligando aspectos culturais, sociais, cognitivos e biológicos.

Cosenza e Guerra (2011, p.76) explicam que

 

[...] as neurociências têm demonstrado que os processos cognitivos e emocionais estão profundamente entrelaçados no funcionamento do cérebro e têm tornado evidente que as emoções são importantes para que o comportamento mais adequado à sobrevivência seja selecionado em momentos importantes da vida dos indivíduos.

 

Assim, os alunos se sentem mais motivados a estudar, a relacionar suas experiências pessoais com o que aprendem, em um processo biológico, como explica Socorsato e Silva (2014, p. 232), as motivações seriam

 

[...] aquelas situações que levam o cérebro a liberar substâncias químicas denominadas de neurotransmissores que irão atuar em diferentes sistemas orgânicos, aumentando a capacidade de atenção por parte do aluno e, até mesmo, de melhorar suas capacidades de memorização. O cérebro é capaz de sintetizar cerca de 60 substâncias diferentes que irão atuar em nosso organismo como neurotransmissores.

 

Para isso, o docente precisa compreender que

 

O processo de aquisição de novas informações que vão ser retidas na memória é chamado aprendizagem. Através dele nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou inconscientemente. De certo modo, a memória pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem (Lent, 2001, p. 594).

 

É neste ponto que a Neurociência tem um papel importante no processo de ensino-aprendizagem, pois, por meio de seu estudo, o docente é capaz de refletir sobre a maneira por meio da qual o aluno está aprendendo, também fará reflexões a respeito das múltiplas inteligências, com isso, conseguirá intervir de forma mais precisa e a auxiliar efetivamente seus alunos a adquirirem as habilidades e competências necessárias para seu pleno desenvolvimento. Grossi et al. (2014, p. 99) ressaltam que a “formação de pontes entre a neurociência e a educação é uma solução para uma aprendizagem mais significativa”, por sua vez Bortoli e Teruya (2017, p. 75), reforçam que “os estudos da neurociência no campo da educação são uma alternativa para repensar as práticas pedagógicas na contemporaneidade”.

Por isso, a Neurociência em conjunto com a educação surge para quebrar paradigmas, para que as metodologias sejam repensadas e reestruturadas, melhorando a qualidade de ensino e permitindo práticas pedagógicas mais eficientes e contextualizadas.

Couto, Grossi e Lopes (2014, p. 29) defendem que “o objetivo da neurociência na educação não é propor uma nova pedagogia, mas apontar caminhos e metodologias mais adequadas no desenvolvimento da educação”. Ou seja, a Neurociência é um caminho para se repensar o ensino como um todo e para desenvolver uma educação eficiente. Isso ocorre pois a Neurociência apresenta sete princípios, propostos por Bartoszeck (2013, p. 3) no IX Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão - SENPEX 881, são eles:

 

 

1. Aprendizagem, memória e emoções ficam interligadas quando ativadas pelo processo de aprendizagem.

2. O cérebro se modifica aos poucos, fisiológica e estruturalmente, como resultado da experiência.

3. O cérebro mostra períodos ótimos (períodos sensíveis) para certos tipos de aprendizagem, que não se esgotam mesmo na idade adulta.

4. O cérebro mostra plasticidade neuronal (sinaptogênese), mas maior densidade sináptica não prevê maior capacidade generalizada de aprender.

5. Inúmeras áreas do córtex cerebral são simultaneamente ativadas no transcurso de nova experiência de aprendizagem.

6. O cérebro foi evolutivamente concebido para perceber e gerar padrões quando testa hipóteses.

7. O cérebro responde, devido à herança primitiva, às gravuras, imagens e símbolos.

 

Princípios ligados à forma como o cérebro aprende, que poderão nortear os estudos sobre novas pedagogias e metodologias de ensino. Nesse sentido, Liberato e Silva (2015, p. 11106) reforçam que a neurociência, [...], é uma fonte segura de conhecimento dos fundamentos neurocientíficos do processo de ensino e de aprendizagem, os quais vêm auxiliar todos os envolvidos nessa atividade a entender o sucesso ou o fracasso de muitas estratégias pedagógicas.

Dessa forma, percebe-se que é preciso estudar a Neurociência nos cursos de licenciaturas, possibilitando ao futuro professor que compreenda o processo de aprendizagem do aluno, como o cérebro funciona, como são realizadas as sinapses e como as emoções estão intimamente ligadas ao processo de ensino-aprendizagem.

Carvalho e Villas Boas (2018, p. 239) ressaltam que “[...] dar subsídios à formação de docentes que compreendam mecanismos básicos de neurociências é uma estratégia que deve alterar positivamente, em relativo curto prazo, o quadro de crise educacional [...]”. Ou seja, fornecer conhecimento em Neurociências a professores é investir em uma educação de qualidade. Tal conhecimento deve vir nas graduações e nas complementações acadêmicas.

 

3. CONCLUSÃO

 

            Com este estudo foi possível perceber que a Neurociência é uma ótima aliada à Educação na busca para melhorar a qualidade do ensino, uma vez que permite ao professor compreender como os alunos aprendem e como os estímulos são importantes e como as emoções estão intimamente ligadas ao processo de ensino-aprendizagem.

            Por isso, é preciso que haja investimento em políticas públicas que garantam que o docente tenha em sua formação acesso ao conhecimento da Neurociência e que estude maneiras de aplicá-la em sua prática escolar.

            Com tais princípios em mente, o docente será capaz de pensar na educação como algo que possibilite os alunos a se desenvolver de maneira plena e autônoma, ressaltando seu papel de mediador e reconhecendo que existem múltiplas inteligências e que, por isso, cada um aprende de uma forma e, exatamente por isso, não deve haver uma padronização das avaliações nem mesmo do processo de ensino-aprendizagem, considerando as diferenças de cada aluno e desenvolvendo suas aulas baseadas neste princípio, avaliando todo o processo e refletindo sobre ele, ressaltando as conquistas individuais e apresentando uma educação que faça sentido para seus alunos e para si mesmo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BORTOLI, Bruno de; TERUYA, Teresa Kazuko. Neurociência e Educação: os percalços e possibilidades de um caminho em construção. Imagens da Educação, Maringá, v. 7, n. 1, p. 70-77, 2017. Disponível em: < http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ImagensEduc/article/download/32171/pdf >. Acesso em: 01 nov. 2020.

 

BARTOSZECK, Amauri Betini. Neurociência em benefício da Educação. Diferentes olhares que se complementam, 2013.

 

CARVALHO, Diego de; VILLAS BOAS, Cyrus Antônio. Neurociências e formação de professores: reflexos na educação e economia. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 26, n.98, p. 231-247, jan/mar.2018. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v26n98/1809-4465-ensaio-26-98-0231.pdf >. Acesso em: 01 nov. 2020.

 

COSENZA, R., GUERRA, L. B. (2011). Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed.

 

COUTO, Paulo Alves; GROSSI, Márcia Gorett Ribeiro; LOPES, Aline Moraes. A Neurociência na Formação de Professores: um estudo da realidade brasileira. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 41, p. 27-40, jan/jun.2014. Disponível em: < http://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/article/view/821/579 >. Acesso em: 01 nov. 2020.

 

GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995

 

GROSSI, Márcia Gorett Ribeiro et al. Uma reflexão sobre a neurociência e os padrões de aprendizagem: a importância de perceber as diferenças. Debates em Educação, Maceió, v. 6, n. 12, p. 93-111, jul. /dez. 2014. Disponível em: < http://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/759>. Acesso em: 01 nov. 2020.

 

LENT, Robert. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais da neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001.

 

LIBERATO, Aline Araújo e Silva; SILVA, Ana Lúcia Gomes da. Processos do Aprender: as contribuições da neurociência para a formação de professores da educação infantil. In: EDUCERE XII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, XII., 2015, Curitiba. Formação de Professores e Profissionalização Docente... Curitiba: [s.n.], 2015. p. 11103-11118. Disponível em: . Acesso em: 01 nov. 2020.

 

MORAES, Maria Cândida; TORRE, Saturnino de la. Sentipensar: fundamentos e estratégias para reencantar a educação. Petrópolis: Vozes, 2004.

 

RATEY, John J. O cérebro: um guia para o usuário. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

SOCORSATO, S., SILVA, C. G.da. Neurociência: um instrumento para desmistificar e compreender os processos de aprendizagem. Anais do Seminário Internacional de Educação, Pinhais, PR, 4., 2014

 

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2003.



Recebido em 27 de novembro de 2020
Publicado em 26 de março de 2021


Como citar este artigo (ABNT)

BRAGA, Heloisa Alves. Neurociência e Educação: Uma Ponte Necessária para a Educação de Qualidade. Revista MultiAtual, v. 2, n.3. (Número Especial - Neurociências), 26 de março de 2021. Disponível em: https://www.multiatual.com.br/2021/03/neurociencia-e-educacao-uma-ponte.html