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Ernane Oliveira
Especialista em Gestão de Instituições
Federais de Ensino Superior (GIFES/UFMG). Técnico em Audiovisual do Centro de
Apoio à Educação a Distância da Universidade Federal de Minas Gerais
(CAED/UFMG)
Suzana dos Santos Gomes
Pós-Doutora em Educação. Professora Associada
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG).
E-mail: suzanasgomes@fae.ufmg.br
RESUMO
O objetivo desse
artigo é discutir os conceitos de eficiência e eficácia e sua aplicação no processo
de apropriação dos recursos tecnológicos na educação. Esse estudo é fruto de uma pesquisa de campo
realizada no curso de Gestão de Instituições Federais de Ensino Superior –
GIFES, oferecido pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (FaE/UFMG), e que utilizou como ferramenta metodológica entrevistas
semiestruturadas com 15 profissionais da área da educação superior, entre
técnicos, professores universitários, pedagogos, produtores multimídia,
locutores e jornalistas. As entrevistas focaram nas relações possíveis entre
tecnologia e educação, tendo como base os conceitos de eficiência e eficácia. Conclui-se
que ainda há muita resistência por parte dos profissionais da educação no uso
das tecnologias, que falta planejamento na aquisição de equipamentos e no uso
dos recursos, e que ainda que em alguns casos possa-se afirmar que há um uso
eficiente dos recursos, muitos profissionais se queixam da falta de modelo
conceitual, “para que usar?”, ou “vai servir para que?”, ou seja, falta atingir
a eficácia. Outro ponto destacado é a necessidade de um trabalho
interdisciplinar, valorizando o conhecimento do pessoal técnico e tecnológico
na construção das estratégias didáticas que se utilizam de recursos
tecnológicos.
Palavras-chaves: Apropriação Tecnológica; Gestão de
Instituições Federais de Ensino Superior; Eficiência; Eficácia.
ABSTRACT
The main objective of that study is to discuss the concepts of efficiency
and efficacy and their application on the process of appropriation of
technological resources in education. That study results from a field research
carried out in the course of Management of Federal Institutions of Higher
Education – GIFES, offered by the Faculty of Education of Federal University of
Minas Gerais (FaE/UFG), which used as methodological tools semi-structured with
15 professionals of Higher Education area, among technical staff, university
teachers, pedagogues, multimedia producers, speakers, and journalists. The
interviews focused on the potential relationships between technology and
education, based on the concepts of efficiency and efficacy. For the theoretical framework, we have used
contributions from authors of management, as Peter Drucker (1990), Idalberto
Chiavenatto (2003), Dietmar Sternard (2019) and authors that discuss the
potential and impacts of the use of technology in education, among which we
highlight the contributions of Juana Sancho (1998) and Seymour Papert (1985,
1987). We must also highlight for the theoretical framework a video interview
of author Lúcia Dellagno (2016) which was very important for the categorization
of the main dimensions involved in the technological appropriation in
education. We concluded that there is still much resistance from the education
staff in the use of technology, that there is a lack of planning in the
acquisition of devices and in the use of technology itself, and even in the
cases that we can affirm that this use is efficient, many professional resent
the lack of conceptual models, “what we are going to use it for?”, “what is the
purpose?”, i.e, we still didn’t reach efficacy. Other point observed is the
need for an interdisciplinary work, valuing the knowledge of technical and technological
staff in the elaboration of didactical strategies that make use of
technological resources.
Keywords: Technological
Appropriation; Management of Federal Higher Education Institutions; Efficiency;
Efficacy.
INTRODUÇÃO
Vivemos
numa era de acentuada incorporação tecnológica em praticamente todos os
processos de trabalho, fomentada principalmente pela difusão dos recursos
computacionais, a partir do fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, com o
advento da Word Wide Web, a rede
mundial dos computadores, cujo avanço se acelerou de maneira vertiginosa nas
últimas duas décadas. “Há 20 anos atrás, nós tínhamos que enfrentar fila de
banco. Hoje, você pega o seu celular, com um aplicativo, você resolve sua vida
de banco. Você nem conhece seu gerente mais. E, há uns anos atrás, o gerente
era uma pessoa que se tornava até amigo, porque você tinha, para qualquer
movimento bancário, que estar presente [fisicamente] ao banco”, nos lembra
Eliane Palhares[1],
uma de nossas entrevistadas.
A
tecnologia está tão inserida no nosso cotidiano, de modo tão evidente, e de
tantas maneiras, que se tornou uma entidade, uma presença quase tangível, “não
tem como fechar os olhos, tapar os ouvidos, e falar que não existe. Ela existe,
está em todos os momentos em nossa vida, desde o uso das ferramentas de WhatsApp, transmissão via Skype, o uso
da internet, em si, dessas ferramentas de pesquisa, de armazenamento de dados,
de tudo isso”, enfatiza Kênia Juliana[2], outra de nossas
entrevistadas.
Assim,
seria normal supor que o uso das tecnologias tivesse impacto também nos
processos de ensino-aprendizagem; afinal, a escola, como qualquer outra
instituição contemporânea, também faz parte de uma sociedade cujos indivíduos
estão cada vez mais atrelados à tecnologia e a seus recursos. Além disso, “a
tecnologia sempre esteve associada à educação. Quando se pensa, por exemplo, no
papel. Quando surgiu o papel, na China[3] foi considerado uma
tecnologia nova, naquela época. Depois vieram os escritos. Se você pegar até a
questão da escrita na pedra, a própria ferramenta da pedra, naquela época, era considerada
uma tecnologia”, relembra Thiago Belchior[4]. Durante toda a história
da humanidade, a transmissão da cultura, processo no qual a educação tem um
papel fundamental, sempre foi mediada ou impulsionada pelos avanços
tecnológicos, e como salienta Thiago, a escola vem incorporando tais avanços
tecnológicos em seu cotidiano, ainda que de maneira mais lenta que outros
setores da sociedade, mas tal incorporação é inevitável.
No
entanto, a incorporação dos recursos tecnológicos, especialmente
computacionais, uso de internet, redes sociais, os próprios dispositivos
móveis, no cotidiano escola ainda não é uma realidade, pelo menos no ensino
público brasileiro. E podemos elencar diversos fatores que impedem esse acesso,
como a falta de recursos para aquisição de equipamentos, falta de
infraestrutura, a própria formação precária dos profissionais da educação,
problemas de gestão e falta de planejamento, entre outros. A maioria dos
profissionais entrevistados fala de certa resistência
do conhecimento, o medo de não saber usar os recursos tecnológicos, a
própria questão geracional – imigrantes
versus nativos digitais, falta de suporte, ou mesmo falta de vocação ou de perfil
tecnológico.
Pensando
nisso, pretendemos discutir a eficiência e
a eficácia, e como tais conceitos
podem nos ajudar a entender melhor a incorporação de recursos tecnológicos numa
perspectiva mais ampla, “buscar mais eficiência, mais eficiência, pensando na eficácia:
vai servir para quê?”, como bem colocado por Paulo Porto[5].
Como
fundamentação teórica, utilizou-se de autores da gestão e administração, como
Peter Drucker (1990), Idalberto Chiavenatto (2003), e Dietmar Sternad (2019), e
autores que discutem as potencialidades e impactos do uso das tecnologias na
educação, destacadamente Juana Sancho (1998), e Seymour Papert (1985, 1987).
Destaca-se também na fundamentação teórica uma entrevista em vídeo da autora
Lúcia Dellagnelo (2016), que foi de fundamental importância para a
categorização das principais dimensões envolvidas na apropriação tecnológica na
educação.
Em
busca da relação entre eficiência e eficácia, organizamos esse estudo da
seguinte maneira:
1) Na
primeira seção, iremos discutir a origem desses dois termos, e sua
aplicabilidade no campo da gestão e da administração, pensando especialmente na
gestão de qualidade;
2) Em
seguida, discutiremos os conceitos de tecnocentrismo,
criticismo computacional e tecnologias
educativas, termos fundamentais para entendermos a apropriação tecnológica
no ensino;
3) Na
terceira seção, apresentaremos a metodologia utilizada na pesquisa de campo, e
as categorias de análise de dados, as quatro dimensões propostas por Lúcia
Dellagnelo (2016) para uma apropriação eficiente dos recursos tecnológicos na
educação, apresentadas numa entrevista intitulada A tecnologia como aliada da Educação, a saber: a) visão conceitual;
b) competência para usar; c) qualidade do conteúdo, e d) infraestrutura.
4) Em quarto
lugar, apresentaremos uma síntese entre essas dimensões e os dois conceitos
propostos, e então,
5) Faremos
as considerações finais.
1 – EFICIENTE OU EFICAZ?
No
dia a dia é comum ouvirmos esses dois termos – eficiência e eficácia – sendo
usados como sinônimos, ou seja, quem é considerado eficiente é também eficaz,
e vice-e-versa. Além disso, há usos que extrapolam o campo da gestão, por
exemplo, se referindo a um consumo
eficiente, no caso de eletrodomésticos ou eletrônicos. Afinal, o que
significa ser eficiente e ser eficaz, e qual a relação entre os dois termos?
Eficiência vem
do latim efficientia e tem a ver com
rendimento e produtividade, e é frequentemente medida em quantidades: a maior
quantidade de produtos gerados a partir de um número x de insumos ou matéria-prima.
Está associada à otimização, redução de tempo gasto, ausência de desperdícios
ou de etapas supérfluas, a melhor relação custo-benefício, ou seja, é o melhor
rendimento com o mínimo de esforço.
Por
sua vez, o temo eficaz vem do latim efficere, ou afetar, e significa “capaz
de produzir o efeito esperado” (MORRIS, 1969. Tradução nossa). Em outras
palavras, a eficácia “é a qualidade daquilo que alcança os resultados
pretendidos e está diretamente relacionada à ideia de competência”[6].
Na teoria da
administração geral, alguns autores discutem esses dois conceitos de maneira
bem elucidativa, entre eles Peter Drucker (1990) e Idalberto Chiavenatto
(2003). Para Drucker (1990) eficácia é “fazer certo as coisas certas”.
Chiavenatto (2003), por sua vez, nos dá uma definição mais detalhada dessa
relação. Ele nos diz, citando Emerson, um autor clássico da administração, que
a eficiência:
[...]
está voltada para melhor maneira [...] pela qual as coisas devem ser feitas ou
executadas (métodos) a fim de que os recursos (pessoas, máquinas,
matérias-primas) sejam aplicados da forma mais racional possível. A eficiência
preocupa-se com os meios, com os métodos e procedimentos mais indicados que
precisam ser devidamente planejados e organizados a fim de assegurar a
otimização da utilização dos recursos disponíveis. (CHIAVENATTO, 2003, p. 155).
E, em seguida, ele
faz uma importante distinção entre os dois termos, ao se referir que “a
eficiência não se preocupa com os fins, mas simplesmente com os meios. O alcance
dos objetivos visados não entra na esfera de competência da eficiência; é um
assunto ligado à eficácia”. Ou seja, no momento em que o gestor está preocupado
exclusivamente em conseguir que as coisas sejam feitas da maneira correta, com
a melhor utilização dos recursos disponíveis, ele está focado na eficiência. Então, acrescenta ele,
quando o gestor utiliza dados produzidos por aqueles que executam as ações:
para
avaliar o alcance dos resultados, isto é, para verificar se as coisas
bem-feitas são aquelas que realmente deveriam ser feitas, então ele está se
voltando para a eficácia (alcance dos
objetivos por meio dos recursos disponíveis). (CHIAVENATTO, 2003, p. 155.
Grifos nossos).
Já Sternard
(2019), baseando-se no trabalho de Drucker, faz uma síntese dos dois termos, ao
falar sobre a eficiência gerencial, e que consideramos importante colocar aqui
na íntegra:
Eficiência significa fazer algo da maneira mais
econômica possível (por exemplo, atingir metas com um uso mínimo de recursos ou
entregar a maior quantidade possível de um produto a partir de uma dada
quantidade de matéria prima).
Eficácia se refere à
capacidade de produzir um certo efeito. Quando os psicólogos, por exemplo,
falam de auto-eficácia, eles se referem à crença das pessoas de que são capazes
de realizar alguma coisa. (STERNARD, 2019, p. 23. Tradução livre, grifos do
autor).
Portanto, fica
evidente a relação de interdependência entre esses dois conceitos, ou seja, um
implica diretamente no outro. No entanto, conforme Chiavenatto (2003) adverte,
ser eficaz não implica necessariamente ser eficiente, assim, como pode ser
considerado realmente eficiente um trabalho bem feito, com uso racional de
recursos e entregue dentro do prazo, ainda que não atingir os resultados
esperados. No Quadro 1 abaixo vemos algumas diferenças entre os dois conceitos:
Quadro 1 – Eficiência
versus eficácia
EFICIÊNCIA |
EFICÁCIA |
Ênfase
nos meios |
Ênfase
nos resultados |
Fazer
corretamente as coisas |
Fazer
as coisas certas |
Resolver
problemas |
Atingir
objetivos |
Salvaguardar
os recursos |
Otimizar
a utilização dos recursos |
Cumprir
tarefas e obrigações |
Obter
resultados |
Treinar
os subordinados |
Dar
eficácia aos subordinados |
Manter
as máquinas |
Máquinas
em bom funcionamento |
Fonte: Adaptado de Chiavenatto (2003, p. 155)
2 –MANEIRAS DE SE LIDAR COM A TECNOLOGIA DIGITAL NO ENSINO
O tema da tecnologia
digital na educação não é necessariamente novo. Desde o início dos anos 1980,
quando os primeiros computadores pessoais chegaram ao mercado, introduzidos
pela IBM, os famosos IBM PC – ou personal
computers[7]
- ou IBM 5150, seu uso em sala de aula foi vislumbrado por vários pesquisadores
da educação, entre eles Seymour Papert. Papert (1928-2016) foi um matemático e
educador norte-americano, professor do MIT – Massachusetts Institute of
Technology. É o idealizador da linguagem de programação Logo[8], desenvolvida
especialmente para o ensino de programação para crianças.
2.1 – Resistência ao uso das tecnologias digitais
Papert discute
duas abordagens em relação ao uso de computadores na educação, e cuja distinção
será essencial para entendermos a apropriação tecnológica. Apesar de não
podermos generalizar, podemos dizer que há pelo menos dois comportamentos
típicos em relação à tecnologia, principalmente daqueles com pouca ou nenhuma
familiaridade com os equipamentos - a resistência
– seja por medo de não saber usar, pela dificuldade de acompanhar as inovações,
ou mesmo pelo fator geracional, “para os jovens é mais fácil, já nasceram na
era digital”, ou o tecnocentrismo, “temos que usar”, “a tecnologia é um caminho
sem volta”, “a tendência é aumentar ainda mais o impacto da tecnologia na vida
cotidiana”, “não dá pra viver sem ela mais”, etc.
Sobre essa
segunda atitude, Papert (1985) faz um paralelo com a fase egocêntrica do
desenvolvimento da criança:
O
egocentrismo para Piaget não significa, naturalmente, egoísmo – significa que a criança tem dificuldade para entender
qualquer coisa de maneira independente do ego. O tecnocentrismo se refere à tendência de dar uma similar centralidade a um artefato técnico – por
exemplo, os computadores [...] (PAPERT, 1987, p. 23. Grifos do autor. Tradução
livre).
Essa visão é
também compartilhada por Thiago Belchior, ao discutir sobre a dificuldade de
incorporação efetiva da tecnologia nas escolas. Para ele, uma das razões para
essa visão é a falta de formação dos professores:
O
que se percebe hoje, até mesmo por conta de uma dificuldade na formação dos
professores atuantes nas escolas, com relação ao uso da tecnologia, muitas
vezes essa discussão fica muito focada na questão do uso do artefato – a tecnologia
como artefato - e também como mediação
em sala de aula. (THIAGO BELCHIOR, entrevista da pesquisa, 2019).
Assim, há um
discurso, muito fomentado pela indústria, e que sugere um desconhecimento do
potencial real dos computadores no meio escolar, é de a mera presença desses
equipamentos na escola pode representar uma vantagem para os alunos, e
facilitar de alguma maneira o ensino.
Para Papert, essa visão
tecnocêntrica implica numa “tendência a reduzir aqueles que são realmente os
principais componentes das situações educacionais – as pessoas e a cultura – a
um papel secundário, de facilitadores” (PAPERT, 1987, p.23).
Em contraposição
ao tecnocentrismo, o autor sugere o criticismo
computacional, ou uma visão crítica. Porém, aqui o sentido de crítica não é
o mesmo utilizado no senso comum. A definição do Webster escolhida pelo autor no início do seu artigo é bem
elucidativa:
Crítico
(do grego kritikos, capaz de
discernir or julgar)
1.
Aquele
que expressa uma opinião arrazoada sobre qualquer assunto a respeito de sua
verdade, valor, justiça, beleza ou técnica.
2.
Alguém
dado a julgamentos duros ou capciosos. [Uso no senso comum].
Nesse sentido, a
abordagem defendida por Papert como a mais razoável para se lidar com a
tecnologia em qualquer campo, e especialmente na educação, deve ser uma análise
crítica de suas reais qualidades, e limitações. Assim, Papert (1987) propõe um criticismo computacional, cujo objetivo
não é “[...] condenar, mas entender, explicar, colocar em perspectiva. [...] Afinal de contas, os processos de criticar
e de criar precisam um do outro” (PAPERT, 1987, p.22. Grifos nosso. Tradução
livre).
2.2 A escola como tecnologia educativa
Outra autora que
corrobora com a visão de Papert é Juana M. Sancho (1998), ao nos alertar que no
tecnocentrismo há uma:
tendência
para descontextualizar, a levar em consideração somente aqueles componentes dos
problemas que têm uma solução técnica e a desconsiderar o impacto – nos
indivíduos, na sociedade e no ambiente – provocado por ela [a tecnologia].
(SANCHO, 1998, p.23).
E essa descontextualização, acrescenta a
autora, geraria uma
crença
generalizada de que somente as máquinas de invenção mais recente são
tecnologia; que a tecnologia desumaniza e que a melhor forma de lutar contra
[ela] é não usar computadores e outros instrumentos que são novidade e que
provocam medo em nós. (SANCHO, 1998, p.23).
A visão da autora
é bastante ousada, no sentido que ela nos sugere a deixarmos de pensar apenas
na lógica de incorporação de recursos tecnológicos na educação – como ela
coloca os computadores de invenção mais
recente – de certo modo impostos pela indústria e por certo determinismo
tecnológico – e pensarmos num conceito de tecnologias
educativas. Assim, ela aponta que a própria escola pode ser considerada uma
tecnologia, no sentido mais amplo, e como tal utiliza no ensino diversas tecnologias simbólicas (como o livro e o
giz) “que medeiam a sua comunicação com os alunos, ou fazem parte da mesma
(linguagem, representações icônicas, o próprio conteúdo do currículo) e tecnologias organizadoras (gestão e
controle da aprendizagem, disciplina)” (SANCHO, 1998, p. 23, grifos da autora).
Essa visão da
escola como uma tecnologia fica mais evidente se pensarmos na educação – e mais
especificamente na pedagogia – como
uma forma sistemática de organizar as maneiras de ensinar, com suas
metodologias e técnicas de ensino. Nesse sentido, a própria Didática,
disciplina fundamental da pedagogia, busca sistematizar os fundamentos dos processos
de ensino-aprendizagem específicos para diversas áreas do conhecimento.
Portanto, para
Sancho (1998, p.23), antes de se decidir pelo do uso (ou não) das tecnologias
digitais no ensino, é importante nos perguntarmos se a escola “é a tecnologia
mais adequada para responder aos problemas atuais do ensino”.
3 – A METODOLOGIA DA PESQUISA – A BUSCA POR UMA VISÃO
MULTIDISCIPLINAR SOBRE A TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO
A metodologia
escolhida para essa pesquisa consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas
com profissionais de diversas áreas, ligados diretamente à UFMG, no caso de
professores, funcionários e alunos com vínculo atual, e com ex-alunos ou
ex-colaboradores. A maioria das entrevistas foi gravada em áudio e vídeo[9], com algumas exceções.
Nesse artigo, pretendemos apresentar e analisar alguns depoimentos de
colaboradores.
Inicialmente foi
disponibilizado um roteiro que estruturou as perguntas principais mínimo
preparado de acordo com o meu conhecimento prévio sobre o assunto, ajustado
ao perfil do convidado. Ao longo da entrevista surgiram outras perguntas a
partir das perguntas semiestruturas, permitindo um aprofundamento das questões
de acordo com o perfil do entrevistado. esse
roteiro foi sendo aprimorado. Procurou-se por meio da entrevista entender
quais eram os aspectos chaves a serem abordados por meio de questões sobre o
audiovisual com profissionais de diferentes áreas, nem sempre afins, e que cuja
formulação permitisse uma aproximação mínima a partir da minha formação em audiovisual
– técnica e tecnológica – e a formação e atuação profissional dos convidados,
de modo que as diferenças de perspectivas sobre o tema não fossem um obstáculo
para o estabelecimento do diálogo.
3.1 – Os sujeitos da pesquisa
Apresentamos no
Quadro 2 abaixo uma síntese do planejamento das entrevistas e os principais
tópicos abordados. De todos os convidados, apenas duas entrevistas não puderam
ser realizadas por incompatibilidade de agenda.
Fonte: Elaboração própria (2019)
3.2 A questão da pesquisa
Saber escutar
talvez seja uma das principais qualidades que se espera de um pesquisador,
seguida, é claro, de saber perguntar.
Muitas vezes estamos tão ocupados com nossos processos de pensamento interno,
preocupados em categorizar e analisar as respostas de nossos entrevistados em tempo real, que mal damos ouvidos às
respostas, ou às nossas próprias perguntas e seguimos por um caminho tortuoso
até que todo esse turbilhão de informações internas cesse e começamos realmente
a escutar.
Esse foi o
caminho trilhado nessa pesquisa de campo. Numa conversa informal com o primeiro
entrevistado, Thiago Belchior, durante os preparativos para a entrevista sobre
a primeira parte da pesquisa, eficiência e
eficácia – Thiago é especialista em gestão de TI – aparece uma pergunta que seria
a gênese dessa pesquisa, mas que só foi “percebida” várias entrevistas depois,
quando fomos fazer a transcrição:
ERNANE
... por que sua pesquisa tem a ver com a tecnologia e
educação?
THIAGO
Porque
eu sou técnico em TI e trabalho com Educação.
ERNANE
Qual é o enfoque que
você daria...
THIAGO
Sobre o
quê? Enfoque sobre o quê?
ERNANE
Por exemplo, o
impacto do uso da tecnologia na cognição das pessoas...
THIAGO
Já tá
gravando?
ERNANE
Não, só pra ter uma
idéia
THIAGO
O impacto
da tecnologia na cognição?
ERNANE
Qual é a abordagem que você usa... entre
tecnologia...QUAL A RELAÇÃO QUE VOCÊ VÊ
ENTRE TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO?
THIAGO
Praticamente
total...
(THIAGO
BELCHIOR, entrevista de campo, 2019)
Assim,
a pergunta QUAL A RELAÇÃO ENTRE
TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO, formulada espontaneamente na primeira entrevista,
apesar de estar presente implicitamente na condução das entrevistas
subsequentes, foi incorporada explicitamente no roteiro várias entrevistas
depois, quando fomos fazer a transcrição para uma primeira versão desse estudo,
ainda de forma embrionária. Como consequência, muitos dos entrevistados
relataram um certo desconforto, por não saberem para onde ia a entrevista, cuja
orientação eu apenas intuía, e essa falta de clareza metodológica pode ter
gerado desconforto ou ansiedade por parte dos entrevistados, o que fica visível
em algumas falas, apesar da imensa disponibilidade e interesse genuíno em
manter o diálogo, apesar de alguns não entenderem claramente o objetivo da
pesquisa.
Digressões
à parte, implícita ou explicitamente – como pergunta incluída no roteiro – as
questões que orientaram essa pesquisa foram de certa forma um desdobramento do
termo Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC’s[11], ou seja, envolveram a(s)
relação(ões) entre tecnologia e educação,
informação e educação, e comunicação e educação.
3.3 As quatro dimensões da apropriação
tecnológica
Como
fundamentação teórica analisar os depoimentos, utilizei como categorias de
análise as quatro dimensões propostas por Lúcia Dellagnelo[12] (2016). Essa
categorização é apresentada na entrevista A
tecnologia aliada à educação, realizada para o canal da Fecomércio/SP no
YouTube[13]. Trata-se de um conteúdo
com uma produção bastante cuidadosa, apesar de simples, em que se aprofunda o
tema numa conversa bem informal e espontânea, mas muito informativa. Nessa
conversa, Dellagnelo afirma que a apropriação das tecnologias pelos
profissionais da educação tem que levar em conta quatro dimensões:
A
primeira é a visão: para o que é que
eu vou usar essa tecnologia? Qual é a minha intencionalidade?
[...]
A segunda é a competência em usar: o
professor tem que se sentir confortável e achar que aquela tecnologia realmente
o ajuda na tarefa de ensinar melhor. [...].
A
terceira dimensão que é muito importante é a qualidade do conteúdo digital
que você oferece para o seu aluno. [...]
E
a quarta dimensão é a infraestrutura.
Você precisa ter conectividade, porque hoje é importante qualquer tecnologia
exige muita conectividade, mas também o tipo de equipamento certo para você não
ser só consumidor de [conteúdo] da internet, mas também ser produtor e autor de
materiais que você pode colocar na internet. (DELLAGNELO, 2016. Grifos nossos).
Assim,
essas dimensões propostas por Dellagnelo (2016) orientarão a organização e análise
dos depoimentos coletado nas entrevistas. Assim, busquei nos depoimentos dos
profissionais elementos que remetessem a questões, problemas, ou soluções
ligadas a essas dimensões, o que gerou uma perspectiva bem ampla sobre o
assunto. Discutimos a relação entre tecnologia e educação dos mais diversos
ângulos, levando em conta a visão de profissionais representativos dos diversos
campos de atuação relativos à materialidade dessa incorporação: técnicos em
audiovisual, professores, tecnólogos em educação, pedagogos, produtores
audiovisuais, locutores, cineastas, fotógrafo, jornalista.
Portanto,
a discussão do tema está organizada em quatro seções: na primeira abordaremos a
visão conceitual do uso da tecnologia na educação; a segunda elencará os modos
de aquisição de competências no uso das tecnologias, tendo em vista o propósito
dessa aquisição na atuação profissional dos envolvidos; a terceira abordará a
qualidade do conteúdo, sendo que pretende-se realizar um aprofundamento dos
cuidados para a produção de conteúdo audiovisual para a EaD, tema originário
dessa pesquisa; e, finalmente discutiremos a questão de infraestrutura –
suporte técnico, equipamentos, e conectividade – necessários para uma real
apropriação da tecnologia no ambiente educacional.
3.3.1
Visão conceitual – para quê usar a tecnologia?
Se retornarmos a
discussão iniciada no capítulo anterior, para a qual apresentamos os conceitos
de criticismo tecnológico (PAPERT,
1987) e de tecnologias educativas (SANCHO,
1998), vemos que a primeira dimensão apontada por Dellagnelo (2016) não poderia
ser mais acertada: de fato, a questão central a ser feita sobre o uso da
tecnologia no ensino não é o que os
computadores podem fazer pela educação, mas sim para quê iremos usá-los? A partir da visão conceitual – onde
queremos chegar, ou metas, se pensarmos na eficácia - é que iremos então
elencar os recursos (tecnológicos ou não) – necessários para atingirmos os
resultados esperados.
No entanto, essa
talvez não seja a realidade na maioria das estratégias de apropriação
tecnológica implementadas na educação. Essa é uma preocupação recorrente no
depoimento de vários dos entrevistados. Maria Ângela expressa isso de maneira
bem contundente:
Esse
contraponto da tecnologia, é ainda muito sem resultados, eu acho que está ainda
uma coisa muito solta, muito perdida, sem modelos estratégicos bem definidos, e
a percepção conceitual: para quê
trabalhar tantas ferramentas e onde queremos chegar com elas? Em termos,
primeiramente, de eficiência, entendermos e termos os recursos, e fazer com que
esses recursos nos tragam bons resultados. Eu ainda não tenho uma percepção tão
clara, tão definida assim. (MARIA ÂNGELA, depoimento da pesquisa, 2019).
A professora se
refere ao campus virtual, uma
instalação da plataforma digital Moodle[14]
utilizada como apoio tanto para cursos a distância, como presenciais, de
graduação, pós-graduação e extensão da UFLA. Apesar de considerá-la uma ferramenta
eficiente, a professora se questiona sobre a eficácia da estratégia:
Em
se falando de eficiência e eficácia, [..] a gente só trabalha, num
primeiro momento, com a eficiência: nós temos os recursos, e utilizamos esses
recursos. Agora, o quanto esses recursos são efetivamente utilizados, e dão
resultados também efetivos, isso eu ainda não consegui chegar num consenso.
Tanto nas minhas disciplinas, quanto aqui na Universidade, de um modo geral,
com o retorno dos alunos, também.
[...]
Então, nesse sentido, a gente fica puramente na eficiência, enquanto que a
eficácia, que é o onde os recursos devam ser utilizados com maior frequência,
com mais resultados, eu ainda não percebo isso de uma forma tão unânime. (MARIA ÂNGELA, depoimento da pesquisa, 2019).
Há no projeto
indicadores quantitativos de eficiência claramente definidos, como o número de
professores que utilizam os recursos, número de cursos e disciplinas atendidos,
número de alunos, dados produzidos pela plataforma que o gestor - no caso o
coordenador do campus virtual - tem à
sua disposição para monitorar a execução do processo, e que nos remete às
fases propostas na Figura 1 acima. No entanto, a professora relata, segundo
a sua experiência, uma falta de planejamento e definição metas e objetivos
propostos para a utilização desses recursos, ou seja, quais são os resultados
esperados ao fim desse processo? Como ela mesma coloca, faltam modelos estratégicos bem definidos, ou
modelos conceituais.
O
que eu percebo, às vezes, é [a ausência de modelos], talvez alguns modelos
ajustados que a gente possa seguir, e ter números e dados efetivos que possam
remeter a esses resultados. [...]
[...]
quase todos os professores, hoje, se você olhar, atuam no campus virtual, como
um indicador de que é uma ferramenta que funciona, isso, sim. Agora, a
efetividade dessa ferramenta eu desconheço, porque a gente não tem esse
resultado. A percepção numérica. (MARIA ÂNGELA, entrevista para a pesquisa,
2019)
Na entrevista,
ela nos dá pistas importantes de elementos que poderiam servir de ponto de
partida para a construção de um modelo conceitual do uso dos recursos digitais
nesse contexto:
·
“Olha,
são tantos dados”;
·
“Nós
temos tantos por cento que usam”;
·
“Tantos
por cento que não usam”;
·
“Isso
melhorou o conhecimento”;
·
“Melhorou
a informação”;
·
“Os
alunos estão mais atuantes”;
·
“Os
alunos estão melhor informados”;
·
“As
notas dos alunos melhoraram”;
·
“Tantas
ferramentas foram utilizadas”;
·
“Tais
metodologias foram aplicadas”. (MARIA ÂNGELA, entrevista para a pesquisa, 2019)
Assim, fica
evidente nos tópicos sugeridos pela professora, que para medirmos a eficácia,
não bastam dados numéricos, mas é necessária também uma percepção qualitativa dos usuários – professores e alunos – sobre
sua experiência com o uso das tecnologias digitais. E isso reforça também a
necessidade de a introdução dos recursos tecnológicos, ao invés de ser motivada
pela simples “inovação” e “atualização”, ser precedida de uma estratégia pedagógica, direcionada a
solucionar problemas reais do processo de ensino-aprendizagem.
E, para isso,
podemos utilizar várias ferramentas de gestão, mas que incluam uma avaliação
diagnóstica da situação atual, o desenho de estratégias para solucionar o
problema, ou problemas encontrados, instrumentos para monitoração das ações
realizadas, e uma fase de avaliação qualitativa dos resultados. Por exemplo, numa
situação hipotética, pode-se constatar que os alunos de uma turma específica
têm baixa participação em sala de aula, e após uma avaliação diagnóstica,
chegarmos à conclusão de que muitos não leram os textos recomendados para cada
aula, e que essa dificuldade de acesso ao material didático pode se dar por
vários fatores, como questões financeiras, ou mesmo por se tratar de materiais
fora de catálogo. Assim, poderiam ser elencar diversas estratégias para
solucionar o problema, como solicitação de aquisição das obras de referência
pela biblioteca do curso, disponibilização para xerox, ou mesmo uma solução
tecnológica, que seria o compartilhamento virtual das obras, seja por
plataformas gratuitas, ou mesmo um repositório de uma plataforma mais robusta e
flexível, como o já mencionado Moodle.
3.3.2
Competência para usar – “O professor precisa se sentir confortável ao usar a
tecnologia”
A próxima
dimensão elencada por Dellagnelo (2016), a competência para usar, talvez seja
uma das mais importantes, uma vez que o professor é o profissional que será de
fato o responsável pela mediação das tecnologias em sala de aula, ainda que
tenha o suporte de outros profissionais de TI, monitores de laboratório, etc. E
é ele que será responsável também, por encontrar no seu processo de ensino
aquilo que pode ser melhorado ou potencializado pelo uso de uma tecnologia
específica.
No entanto, como
relatado na fala da maioria dos entrevistados, a resistência ainda é muito
grande, seja por questões geracionais, seja pela falta de formação. Como bem
coloca Rosilene Carvalho,
Para
muitos professores, o que eu vi, principalmente professores mais velhos – mas
acontece com os jovens também – é uma certa resistência por medo, cada vez que
surge uma nova tecnologia, medo de não
dar conta de usar aquele recurso. (ROSILENE CARVALHO, entrevista para a
pesquisa, 2019).
Essa visão é
compartilhada também por Adilene Quaresma, que afirma que essa resistência é
compreensível, talvez reforçado pela questão geracional. Para ela,
Todo
ser humano, para ele acessar uma nova informação, uma técnica, uma nova
tecnologia, ele precisa de um tempo, principalmente aquele ser humano que não
nasceu nesse contexto, ao contrário da geração [que nasceu nos anos 1980], que
está com 30 e poucos anos, que já nasceu numa sociedade com a tecnologia muito
mais inserida em diversos espaços.
Então,
acho que a primeira coisa é entender que, para o professor que não nasceu no
advento da tecnologia, ele precisa de um tempo para ele assimilar isso. E ele
vai apresentar uma certa resistência. E é uma resistência compreensível, porque
ele precisa dominar aquilo, ele precisa ver sentido naquilo, ele precisa ver
que aquilo contribui para a melhoria da qualidade da aula dele. Se ele não vê
isso, enquanto ele não ver isso, ele não vai se apropriar. (ADILENE QUARESMA,
entrevista para a pesquisa, 2019).
Assim, como
colocado pelas entrevistadas, a apropriação das tecnologias passa primeiro por
se sentir à vontade, se tornar
familiar. Ou seja, conhecer e saber usar de maneira eficiente.
E isso passa
também, evidentemente, pela formação, de uma maneira mais ampla, e de
treinamento para uso de ferramentas específicas. Esse item também é colocado
por Maria Ângela como um certo desconforto e resistência para utilizar a
tecnologia no ensino, a partir de demandas externas ao professor, seja por
gestores nas escolas ou políticas públicas na educação:
Com
relação à utilização de recursos e a evolução das metodologias de aprendizagem,
eu acho que esse é um caminho sem volta, no meu ponto de vista. Agora, acho
também, que as propostas estão chegando muito rápido, e às vezes sem muito
treinamento, sem muito conhecimento, tanto dos gestores, quanto dos
professores, quanto dos próprios alunos, nesse entendimento. Eu acho que falta
essa consonância entre as partes, o que dificulta o aprendizado de todas as
partes, o que não remete a um resultado tão efetivo.
[...]
Busco informação, faço cursos, sempre faço cursos de metodologias ativas, que
tem aqui, na Universidade, que são oferecidos para nós. (MARIA ÂNGELA,
entrevista da pesquisa, 2019).
Para ela, é
preciso um treinamento para o uso de novas soluções tecnológicas, buscando
criar uma cultura entre todos os envolvidos:
Eu
acho que são soluções que vão facilitar, vão funcionar, mas a gente precisa
primeiro treinar, e criar essa cultura em todos os atores que estão envolvidos
nesse processo, que são professores, alunos, técnicos-administrativos,
assessores [pedagógicos] que vão nos ajudar a fazer uma conferência melhor, a
trabalhar com a videoconferência, a saber trabalhar o equipamento, entender os
resultados efetivos, para que você também faça uma boa videoconferência, faça
uma boa videoaula [...] (MARIA ÂNGELA, entrevista da pesquisa, 2019).
Apesar de
Dellagnelo (2016) estar se referindo aqui a um treinamento específico para
professores e outros profissionais da educação em serviço, e poderíamos pensar em cursos de curta duração, ou
mesmo especializações em tecnologia voltada para o ensino, como o uso da redes
sociais na educação, ou de cursos de atualização ou especialização em mídias
digitais, que incluem por exemplo, o uso de Facebook e Instagram no ensino, em outra parte da
entrevista ela fala da formação num sentido mais amplo, que deveria inclusive
ser inserida no currículo das escolas de educação básica. Assim, embora tais
treinamentos ou especializações tenham obviamente o seu lugar, e podem se
tornar diferenciais no currículo profissional, aqui ela se refere a uma
formação que pode propiciar um entendimento fundamental das tecnologias
digitais: a programação. Assim, ela sugere que essa disciplina deva entrar logo
na educação básica, chegando desde a infância, e não só na adolescência ou na
vida adulta. Isso já é realidade há pelo menos cinco anos em países como
Austrália, Estados Unidos e Reino Unido, sendo que este último desde 2015
introduziu da disciplina de programação no currículo de crianças a partir dos
10 anos, como parte de uma estratégia de “reforçar as competências digitais
necessárias para ter sucesso no ambiente de tecnologia altamente competitivo do
século 21” (BORNELI, 2015).
Já que estamos
falando num ideal, eu acrescentaria outra disciplina que se relaciona de um
modo ainda mais fundamental com a apropriação tecnológica, e que de certa forma
antecede a programação, que é a eletrônica básica. Assim, esse par – eletrônica
e programação – nos dão um entendimento básico de como funcionam os
equipamentos eletrônicos, e o que estão programados para fazer,
respectivamente. É claro que nem todos vão se formar engenheiros eletrônicos ou
analistas de sistema, mas tais disciplinas ajudam a desmistificar e facilitar o
entendimento das tecnologias e equipamentos eletrônicos.
3.3.3 A qualidade do
conteúdo digital – “O primeiro cuidado é o respeito ao conteúdo”
A terceira
dimensão da apropriação tecnológica elencada por Dellagnelo (2016) é a qualidade do conteúdo oferecido. Nesse
sentido, voltando ao tema do nosso estudo, que é a relação entre eficiência e
eficácia, a qualidade do conteúdo está intimamente relacionada à eficiência, ou
seja, utilizar os recursos tecnológicos de maneira eficiente implica na produção
de conteúdo que proporcione aos alunos uma experiência significativa, e que
esteja alinhado com a proposta pedagógica.
É inegável que o
uso das tecnologias, principalmente as plataformas de streaming de vídeo, como Youtube, Vímeo, Netflix, ou de áudio, Deezer,
Spotfy, além dos conteúdos de podcast, acesso a sites, jogos online,
abrem imensas novas possibilidade de acesso a conteúdo que podem ser
incorporados ao ensino. No entanto, apenas trazer esses novos recursos para
sala de aula não implica, necessariamente, em inovação no jeito de ensinar.
Como coloca Papert (1985), é necessária uma recontextualização do ensino, “não
uma mera mudança pedagógica ou tecnológica[...]. A fim de obter um quadro
completo, temos também que reconhecer uma interação
dialética entre o conteúdo, a pedagogia, e a tecnologia” (PAPERT, 1985, p.
220. Grifos nossos).
Assim, muitas
vezes os recursos digitais, como vídeos, música, apresentações PowerPoint são utilizados para ilustrar
a fala do professor, ou até mesmo, devido ao fascínio que provoca o uso da
tecnologia, tanto nos professores, como nos alunos, esconder a falta de
conteúdo, de preparo ou de intenção pedagógica.
Outro cuidado
para se assegurar a eficiência no uso dos recursos tecnológicos, é na produção
de conteúdo digital, e aqui nos referimos especificamente à produção
audiovisual. O vídeo como recurso
didático foi um dos mais citados pelos entrevistados, o que demonstra sua importância
na sociedade como um todo, o seu potencial pedagógico.
3.3.4
– Infraestrutura
Ao abordar esse tópico,
Lúcia Dellagnelo (2016) nos aponta algo que possivelmente é a primeira coisa
que gestores de instituições de ensino pensam como sinônimo de apropriação da
tecnologia, sua materialidade. Há talvez uma ingenuidade, talvez por
desconhecimento técnico por parte desses profissionais, que os levam a associar
diretamente a aquisição de equipamentos com a apropriação do saber tecnológico.
De fato, há uma materialidade no uso da tecnologia que depende realmente da
infraestrutura computacional, sendo que os principais elementos apontados pela
autora são os equipamentos e a conectividade.
3.3.4.1 Equipamentos
Um
dos primeiros aspectos da infraestrutura necessária para apropriação
tecnológica na educação são evidentemente os equipamentos. E essa nem sempre é
uma tarefa fácil quando se trata de instituições da rede pública, seja qual for
o nível de ensino. De fato, se pensarmos nas universidades públicas, com suas
restrições orçamentárias, e que cada vez mais evidente no contexto político
atual, um dos grandes obstáculos para a modernização dos recursos
informacionais nessas instituições é a burocracia envolvida na aquisição de
novos equipamentos. Ao conversar com Maria Ângela sobre essa questão, ela faz
apontamentos bem interessantes:
Eu
acho que a questão financeira no serviço público, na educação pública, é muito
burocrática. Precisa passar por tantos trâmites, tantas concessões, às vezes os
projetos são aprovados, têm recursos, mas aí tem que passar por diversas
concessões, que quando chega ao verdadeiro destino, [o equipamento] já chega
com uma defasagem grande, que aquilo que foi proposto, por exemplo, de você
comprar um equipamento de ponta, um notebook de ponta, uma máquina fotográfica,
coisa assim, aquilo já não corresponde mais aos valores, porque a tramitação
foi tão longa, a burocracia foi tão grande, que ela não consegue mais remeter
àqueles valores. Esse eu acho que é um primeiro ponto. (MARIA ÂNGELA,
entrevista para a pesquisa, 2019).
E
outro aspecto importante nessa questão, também apontado por ela, é a questão do
planejamento:
O
que eu acho também, é que os recursos solicitados são às vezes pouco
planejados. Às vezes você pede muita quantidade de um determinado equipamento,
determinado produto, que talvez não vá ser tão utilizado mais. Hoje em dia, por
exemplo, quando a gente pedia, na época, netbooks
para as bibliotecas daqui, por exemplo, num primeiro momento ele foi muito
utilizado. Foi ótimo. Muitos alunos com recursos [financeiros] menores
utilizando vários equipamentos que foram disponibilizados aqui, depois, esses
equipamentos ficaram meio que arquivados ali na biblioteca, porque os iphones, os celulares fazem tanto esse
papel, que isso ficou um recurso defasado. Eu acho que esse é um problema das
tecnologias também: elas ficam defasadas muito rápido. Se você não compra uma
tecnologia de ponta, não utiliza um recurso de ponta, você a perde muito
rapidamente. (MARIA ÂNGELA, entrevista para a pesquisa, 2019).
A
limitação de equipamentos disponíveis impacta diretamente no uso pedagógico que
se planeja fazer. Planejar uma atividade baseada exclusivamente uso de
computadores, por exemplo, pode ser viável numa instituição privada, com maior
oferta de recursos informacionais, e menos viável, ou até impraticável numa
instituição pública. Isso é bem ilustrado na fala de Stéphany Lorrane, quando
perguntada sobre a relação entre tecnologia e educação:
É
uma relação complexa, que pode ser tanto positiva, quando negativa. [...] E,
aí, é algo mais difícil de ser trabalhado na escola pública, porque nem sempre
vai ter um laboratório de computadores. Eu fiz estágio obrigatório agora numa
escola pública, que não tinha laboratório de computador, então, é complexo você
levar isso para a sala de aula, você não vai ter um tablet, um notebook, para
trabalhar com aquelas crianças. Em algumas escolas você tem cinco, seis
computadores, e aí, você já consegue trabalhar em grupos, nós fizemos até uma
proposta de uma sequência didática de ensino de ciências, com o jogo da Nova
Escola , que ali a gente pensou num trabalho de grupo, então é algo a mais.
Pode ser muito positivo, mas é complexo de se pensar na realidade da educação
pública no país, porque nem sempre é algo que você consiga ter um computador
para cada grupo. (STÉPHANY LORRANE, entrevista para a pesquisa, 2019).
Isso
reduz a experiência que o professor vai ter com a tecnologia e inverte a lógica
do planejamento didático: passa-se a se pensar não na escolha dos recursos mais
adequados para se trabalhar uma atividade em função do conteúdo a ser ensinado,
mas em atividades que possam ser trabalhadas utilizando-se os recursos
disponíveis. Isso pode ser um fator dificultador e que talvez contribua para
certa resistência dos educadores ao lidarem com a questão da apropriação da
tecnologia em sala de aula.
Outro
fator que ainda precisa ser melhor entendido pelas escolas, é a ênfase na
segurança dos equipamentos, em detrimento do acesso e facilidade de uso dos
mesmos. Os diretores e gestores são de fato responsáveis e serão
responsabilizados por eventuais, perdas, danos, roubos do material em se poder,
o que pode levar à necessidade de substituição ou manutenção de tais recursos
por uso indevido. Lúcia Dellagnelo
(2016) aborda essa questão, ao abordar uma política pública de informatização
das escolas públicas:
Os
laboratórios de informática foram criados numa política chamada ProInfo criada
em 1997 no Brasil, há vinte anos. Ela era extremamente de vanguarda, era uma
política muito interessante. [...] Era um conceito de vanguarda, e que era o
que dava para fazer com os recursos que a gente tinha naquela época, o
computador, a tecnologia era muito cara, então foi a maneira que se conseguiu
colocar em todas as escolas brasileiras, pelo menos a presença do computador.
Só
que essa política não foi revista desde então, ela foi revista em 2007, mas aí
só foram ações episódicas de distribuição de tablet para professor, ou de Um
Computador por Aluno, em 500 cidades brasileiras, não houve uma continuação, ou
uma revisão dessa política.
Então,
hoje é verdade, o que está acontecendo nas escolas brasileiras são os
computadores trancados numa sala de informática, o professor, se quiser usar o
computador tem que pegar a turma toda, deslocar, ter alguém que abra o
laboratório de informática, assinar um livro, tem que ligar os computadores...
Até aí o professor já perdeu meia hora da aula dele, e mais trinta minutos para
fazer qualquer coisinha no computador, e sai.
Rose
Carvalho, especialista em EaD e professora de cursos de formação de professores
na Prefeitura de Belo Horizonte, nos fala dessa preocupação quando da
implementação do ProInfo nas escolas da rede pública municipal de Belo
Horizonte:
Quando
criaram as salas de informática do Estado, eu cheguei a visitar, como eu fui da
primeira turma do ProfInfo, fiz os cursos eles me chamaram depois pra visitar
umas escolas, e dar um parecer, fazer um relatório de como eram usados [os
computadores].
E,
o mais interessante é que, na maioria das escolas, os computadores estavam lá
há 3 anos, e nunca tinham sido ligados. A gente chegava nas escolas, os
computadores estavam numa sala, fechada, grades nas janelas, grade nas portas,
cadeado, correntes... Aí, numa escola, eu até não resisti, a professora falou,
“Tá tudo novinho! Nós nunca usamos”. Aí, eu vi aquilo lá, e falei assim,
“Escuta, eles são perigosos? Porque eles estão tão trancados!” Aí, eu sempre
explicava, “Olha, se não usar, isso aqui vira lixo em pouco tempo. Tem que
usar, porque vai ficar defasado. É melhor estragar no uso, do que ficar um
dinheiro jogado fora”. Eu tentava convence-los é era disso, que aqueles
computadores fechados eram dinheiro público jogado na lata de lixo. Ninguém
usou. “Ah, mas se usar e estragar?”, “Se estragar, vai consertar ou vai perder
aquela máquina, mas vai ser usado”.
E
a experiência que eu tive é que, onde era usado – a escola em que eu
trabalhava, mesmo, eu usava [os computadores] desde o início, com os alunos,
nas salas de informática, eles tinham o maior cuidado, porque a maioria, nessa
época, não tinha computador [em casa], nem conhecia computador. Então, nunca
sumiu um mouse, porque as diretoras falavam, “ah, vai sumir teclado, vai sumir
mouse...”, nunca sumiu, os alunos eram extremamente cuidados, independentemente
da situação socioeconômica, porque era uma novidade e eles queriam aprender,
porque o jovem, o adolescente, a criança também, uma curiosidade muito grande
de conhecer o novo. [ROSE CARVALHO, entrevista para a pesquisa, 2019].
Assim,
Rose Carvalho toca num ponto que é de extrema relevância, que é a questão da
inclusão digital, e que muitas vezes hoje é subestimada, definido a
disseminação dos celulares e smartphones, e uma pretensa democratização do
acesso à internet, que como vimos não é tanto assim. Para muitos alunos naquela
época, principalmente vindos da periferia, o primeiro contato com computadores
era no laboratório de informática da escola. Assim, eles valorizavam bastante
aquele espaço. Essa realidade ainda era relevante para Stéphany Lorrane em
2010, e talvez ainda seja pertinente para muitos jovens e adolescentes da
periferia, para quem ter um computador com acesso à internet em casa só chegou
quando já eram bem mais velhos, apesar de serem considerados nativos digitais,
ou seja, nascidos a partir de 1992.
Eu
fui ter computador em casa, eu tinha 15 anos [em 2010]. Foi a primeira vez que
eu tive computador, antes disso eu tinha acesso por meio de lan house, para fazer trabalhos
utilizava a lan house, mas era coisa
pouca, não era assim, eu ia para lá para estudar, então, meu tempo era contado.
[...]
Se
você pensar em crianças desfavorecidas economicamente, às vezes, a criança não
tem acesso ao computador em casa. E aí, aquilo ali na escola pode abrir portas
para a criança, que a gente não consegue nem mensurar, porque você ensinar como
faz uma pesquisa, como se assiste a um vídeo, e, aí, tem muito vídeo que traz
muito aprendizado para eles. (STÉPHANY LORRANE, entrevista para a pesquisa,
2019)
Essa
preocupação é bastante compreensível, uma vez que, como dissemos, os recursos
públicos são cada vez mais limitados, porém há que pensar que os equipamentos
precisam ser utilizados para de fato valerem a pena o investimento, e cumprirem
seu propósito.
3.3.4.2
Conectividade
Outro
fator importante abordado na entrevista, e que muitas vezes é subestimado, é
que o tipo de conectividade ao qual os aluno e professores têm acesso será
bastante determinante para os usos que se pode fazer das ferramentas, e fará a
diferença entre um uso para consumo
(acesso a sites, visualizar vídeos, acesso a redes sociais, pesquisa em livros,
etc), e um uso produtivo (criar e
editar vídeos, áudios, edição e manipulação de imagens em softwares de edição,
criação de textos mais longos, leitura de obras me PDF, formato bastante
difundido na internet, mas muito mais adequado para se ler num notebook ou
desktop, e pouco amigável em dispositivos móveis).
Assim,
o fato de que no Brasil um plano de internet residencial de banda larga ainda
não alcançou preços populares, com uma velocidade razoável para por exemplo,
baixar um filme em alta resolução, por exemplo um documentário como fonte de
consulta, ou um material paradidático, ou mesmo em plataformas de streaming, como Netflix, Amazon Prime, o
próprio YouTube, que começa a oferecer esse serviço, faz com
que muitas famílias optem por aposentar os antigos computadores desktops, a opção pelo investimento na
aquisição de um notebook, para os filhos estudarem, se faz muito em função da
possibilidade de ter ou não internet fixa em casa, o que reduz bastante o tipo
de atividade extraclasse que um professor pode propor para os alunos, por
exemplo, “assistam a esse documentário para a próxima aula, e discutiremos em
sala de aula”. Isso fica mais evidente em população de zonas periféricas
urbanas, ou rurais.
Por
outro lado, todo mundo tem celular hoje em dia, e isso é inegável. De acordo
com pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP),
divulgada em 25/04/2019, “O Brasil tem hoje dois dispositivos digitais por
habitante, incluindo smartphones, computadores, notebooks e tablets. Em 2019, o
País terá 420 milhões de aparelhos digitais ativos”. [15] Porém, os planos de dados
3G, e o mais recente 4,5G ainda não são acessíveis para a maioria da população,
o que torna o uso dos celulares bastante precário, e sempre com limitação ao
tipo de conteúdo que se pode de fato assistir, sem “usar os dados”, fazendo com
que muitos se limitem ao uso em hotspots,
acessos grátis com propaganda, com limitação de 15minutos por sessão, ou se
tiverem sorte, um vizinho com wifi desbloqueado, ou faculdade com wifi de banda
larga acessível no campus.
Isso,
evidentemente tornar bastante precário o acesso, e que faz com que a internet,
embora amplamente difundida, ainda não esteja consolidada como forma de consumo
de conteúdo, no lugar que se quer, na hora que se quer, com a velocidade que se
deseja. Isso limita, por exemplo, um uso efetivo dos smartphones como leitor de livros, de forma confiável e
segura, o que impede a consolidação desse formato, e que faz com que os
leitores acabam optando pelo impresso, como uma maneira mais segura de ter
livros ou outras obras em referência em mãos, como pontuado por Maria Ângela,
sobre ao responder sobre a questão você
prefere livros, impressos, ou e-books:
Se um trabalho passar
de vinte páginas, eu não leio no computador, eu preciso dele impresso. Porque
ali eu marco, eu absorvo, eu releio, senão, eu corro o risco de um momento que
eu precisar desse conteúdo, por exemplo, na avaliação de um TCC, de um artigo,
de uma dissertação, eu não ter esse conteúdo no momento que eu quero, no lugar
que eu quero. Às vezes eu estou num lugar que não tem internet, eu não salvei o
arquivo, então, eu gosto de coisas em mão. Eu gosto de coisas impressas, eu
ainda sou desse tipo. E eu acho que isso me remete a informações muito justas,
e que não perco, eu arquivo aquilo ali, eu tenho vários artigos impressos,
tenho várias dissertações, TCCs, avaliação de bancas, aquilo para mim me remete
como uma informação importante. Tanto de bibliografia, quanto de conteúdo,
quando de modelo. Então isso para mim funciona bem. (MARIA ÂNGELA, entrevista
para a pesquisa).
E
ela aponta também o fato de os alunos terem os equipamentos não significa
necessariamente acesso efetivo à informação quando se precisa dela:
“Vocês
queriam a informação, na sala virtual, já está lá”, “Vocês queriam usar o
celular dentro de sala, podem usar”. Aí eu digo, “Vamos buscar a informação
aqui?”. “Ah...agora eu estou sem a rede!”. Isso acontece também em termos de
infraestrutura: se todos os alunos resolverem utilizar o celular dentro de sala
de aula, que seja uma ferramenta de estudo, de recurso educacional, não vamos
dar conta, porque a Universidade não tem uma rede consistente, para sustentar
tanta demanda, para tantas conexões simultâneas...não temos a rede existente
para tanto.
Então, precisa
trabalhar a rede também, é uma conexão de recursos que precisa ser trabalhada,
recursos humanos, materiais, tecnológicos, financeiros. Então, a gente precisa
trabalhar esses recursos, para alcançar realmente todos os resultados de tudo
isso, frutos que realmente sejam sólidos, consistentes com o conhecimento para
a educação. (MARIA ÂNGELA, entrevista para a pesquisa).
Essa
questão também é abordada por Paulo Mariano, ao se referir ao ‘uso de vídeos do
Youtube em sala de aula’:
Quando
eu dava aula no ensino médio, eu sempre procurava botar alguma coisa, eu ficava
pegando vídeos do YouTube, e botava na sala, salvava num pendrive – porque lá não
tinha conexão boa –e levava para a sala, selecionava uns vídeos pequenos,
curtos, relacionados ao tema da aula, e aí os alunos comentavam [sobre o tema].
(PAULO MARIANO, entrevista para a pesquisa, 2020).
As
aulas a que Paulo se referem foram em 2014, numa escola pública. Esse fato
ilustra bem algumas estratégias que os professores têm que adotar para inovar
em sala de aula, neste exemplo, ele ‘traz’ a conectividade de casa, num pendrive, e aqui o YouTube se desloca das suas características e potencialidades
originais, como o acesso a conteúdo quase ilimitado, links para vídeos,
comentários, etc, para as quais a internet e a velocidade da banda são
pré-requisitos básico para seu funcionamento, e se transporta para pelo menos
uma década anterior, nos anos 2000, com o uso massivo de DVD’s fonte de
recursos didáticos audiovisuais. Apesar de ser uma estratégia consonante com o
uso pedagógico para qual o professor pensou, usar o vídeo como um ‘pré-texto’
para estimular a discussão em sala de aula, pode haver de fato um estranhamento
dos alunos em relação a esse uso deslocado do seu sentido original, por
exemplo, o limitar a escolha de vídeos àqueles previamente baixados, os alunos
não podem sugerir outros vídeos relacionados para serem vistos pela turma, e o
uso dessa linguagem acaba se restringindo ao professor, que é o que tem
autonomia para levar os vídeos e projetar na sala. É uma comunicação
unilateral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, conforme
discutido no estudo, entendemos que a apropriação do uso de recursos
tecnológicos na educação, não acontece de maneira automática, apesar das
pressões sofridas pelos professores por todos os lados, por inovações nas
metodologias de ensino mediadas pelas tecnologias. Como demonstramos, baseados
nos autores elencados, e nos depoimentos dos entrevistados, que se trata de um
processo complexo e que deve ser implementado de forma integrada. Mostramos
também a importância dos conceitos de eficiência e eficácia, utilizados na
gestão, para a elaboração de um projeto de implementação do uso da tecnologia
que leve em conta a definição de metas bem-definidas, ou objetivos pedagógicos,
o treinamento de todos os atores envolvidos, professores, gestores, alunos,
técnicos em educação, visando a competência no uso dos recursos, a qualidade
dos conteúdos produzidos, e a implementação de infraestrutura compatível com os
objetivos pedagógicos propostos, o que inclui principalmente os equipamentos e
conectividade.
Consideramos que
o papel da produção audiovisual, apontada pelos entrevistados como um recurso didático
importante no cenário atual, deve ser melhor discutido, em busca de referências,
modelos conceituais, e orientações gerais para essa nova produção, utilizando
as facilidades das ferramentas e plataformas disponíveis. Assim, sugerimos
novos estudos nesse sentido.
REFERÊNCIAS
BORNELI JÚNIOR.
Austrália começa a substituir disciplinas por Programação nas escolas. 23 de
setembro de 2015. Disponível em <https://www.startse.com/ noticia/mundo/australia-comeca-substituir-disciplinas-de-historia-e-geografia-por-aulas-de-programacao>.
Acesso em: 27/02/2020.
CHIAVENATTO,
Idalberto. Introdução à Teoria Geral da
Administração. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
DELLAGNELO, Lúcia. A tecnologia aliada da Educação. 16 de
dezembro de 2016. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=I7katADp-08>. Acesso em dezembro de 2019.
DRUCKER, Peter. O gerente eficaz. Rio de Janeiro: LTC,
1990.
PAPERT, Seymour. Computer
Criticism vs. Technocentric Thinking Researcher
(vol. 16, no. I) January/February 1987. p. 22-30.
PAPERT, Seymour. Logo: computadores e educação. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
SANCHO, Juana M. Para uma tecnologia educacional. Porto
Alegre: ArtMed, 1998.
SMITH, Maya. Difference
between effectivity and efficiency in manufacturing. 2018. Disponível em
<https://www.qmstips.com/difference-between-effectivity-and-effi ciency-in-manufacturing/>.
Acesso em 13/03/2020.
STERNAD, Dietmar. Effective management: developing yourself, others and organizations. London: Macmillan Education, 2019.
[1]
Diretora do Centro de Apoio à Educação a Distância (CAED/UFMG). Ver QUADRO 2.
[2]
Coordenadora do Polo UAB/UFMG em Montes Claros/MG. VER QUADRO 2
[3] O papel
foi inventado na China 105 anos depois de Cristo (d.C.), por T’sai Lun.
[4]
Técnico em Tecnologia da Informação (CAED/UFMG). Ver QUADRO 2.
[5]
Engenheiro químico formado pela UFMG. Ver QUADRO 2.
[6]
Disponível em < https://www.sbcoaching.com.br/blog/eficacia/>. Acesso em
04/03/2020.
[7]
“O IBM PC (Personal Computer ou
‘computador pessoal’) foi a versão original e progenitor da plataforma de
hardware dos ‘IBM PC compatíveis’. Lançado em 12 de Agosto de 1981, o modelo
original recebeu a denominação IBM 5150. Seu desenvolvimento ficou a cargo de
uma equipe de doze engenheiros e projetistas sob a direção de Don Estridge da
IBM Entry Systems Division em Boca Raton, Flórida. A expressão ‘Personal
Computer’ (‘Computador Pessoal’) era de uso comum antes de 1981, e foi usada em
1972 para caracterizar o Alto do Xerox PARC. Todavia, devido ao sucesso do IBM
PC, o que tinha sido um termo genérico passou a significar especificamente um
microcomputador compatível com a especificação da IBM”. Disponível em <
https://pt.wikipedia.org/wiki/IBM_PC>. Acesso em: 06/03/2020.
[8]
“Logo é uma linguagem de programação interpretada, voltada para crianças,
jovens e até adultos. É utilizada com grande sucesso como ferramenta de apoio
ao ensino regular e por aprendizes em programação de computadores. Ela implementa,
em certos aspectos, a filosofia construcionista, segundo a interpretação de
Seymour Papert, co-criador da linguagem junto com Wally Feurzeig”. Disponível
em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Logo>. Acesso em 11/03/2020.
[9] Esse
material serviu de base para a produção de um minidocumentário sobre o tema,
que acompanha esse artigo, e que pode ser visto de maneira independente ao
texto.
[10] Foram
utilizados apenas o primeiro nome de cada entrevistado. Apenas Maria Flor é
fictício, pois a entrevistada assim o solicitou.
[11]
O termo mais completo comumente empregado hoje se refere às Tecnologias
Digitais da Informação e Comunicação – TDIC’s.
[12]
A professora Lúcia Dellagnelo é mestre e doutora em Educação pela Universidade
de Harvard. Atualmente, é diretora-presidente do Centro de Inovação para
Educação Brasileira - CIEB. Também é fundadora do Instituto Comunitário da
Grande Florianopolis - ICom e co-fundadora do Social Good Brasil -SGB.
[13] Disponível
em< https://www.youtube.com/watch?v=I7katADp-08>. Acesso em 22/01/2020
[14]
O software de e-learning utilizado é o Moodle, uma ferramenta open-source
amplamente difundida no âmbito das universidades públicas federais.
[15]
Disponível em <https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/04/26/brasil-tem-230-mi-de-smartphones-em-uso.htm>.
Acesso em 28/01/2010.