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Salete Nei da Silva Lopes
Pós-graduanda em Gestão de Instituição Federal
de Ensino Superior – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:
saletesilva.nei@gmail.com
André de Carvalho Bandeira Mendes
Psicólogo da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), mestre em Estudos do Lazer – interdisciplinar (UFMG). Docente da
Especialização em Gestão de Instituições Federais de Ensino Superior (UFMG).
RESUMO: O presente artigo apresenta o estado da
arte das pesquisas sobre as relações interpessoais em cursos de graduação à
distância. Consiste em uma pesquisa documental, baseada na revisão da produção
bibliográfica, de abordagem qualitativa, com caráter exploratório e descritivo,
cujo objetivo é analisar como se dão as relações construídas entre os
graduandos e os demais colegas e professores envolvidos nesta atividade. A
revisão bibliográfica buscou ainda avaliar a repercussão de conflitos
interpessoais no processo de ensino e aprendizagem, propondo também, um
entendimento sobre as relações compartilhadas e vivenciadas pelos alunos desse
tipo de curso. Para tanto, foi feita a revisão
da produção científica, aonde foram utilizadas publicações dos bancos de dados
da CAPES e SCIELO complementada pela análise de dados disponibilizados pelo
INEP e pela observação, buscando analisar a importância dada às relações
interpessoais e sua relevância no ambiente universitário nesta modalidade de
ensino. A partir da análise de seis artigos publicados entre 2007 e 2013, pôde
ser concluído que o campo das relações interpessoais em EaD não é muito
pesquisado, com esta temática assumindo uma posição secundária, diferente da
importância dada aos métodos e técnicas educacionais, sendo notada a ênfase aos
aspectos instrumentais do processo com a desconsideração destas relações.
Palavras-chave:
relações interpessoais; Educação a Distância; universidade
ABSTRACT: this paper presents the state of the art of research on interpersonal relationships in Distance Learning Undergraduate courses. It consists of a documentary research, based on the literature review, with a qualitative approach, with exploratory and descriptive character, whose objective is to analyze how the relationships built between the undergraduates and the other colleagues and teachers involved in this activity. The literature review searching to evaluate the impact of interpersonal conflicts in the teaching and learning process, also proposing an understanding of the relationships shared and experienced by students of this type of course. To aim this objective was made a review of the scientific production, using publications from the CAPES and SCIELO databases, complemented by the analysis of data provided by INEP and by observation, seeking to analyze the importance given to interpersonal relationships and their relevance in the university environment in this area. teaching modality. From the analysis of six articles published between 2007 and 2013, it could be concluded that the field of interpersonal relations in Distance Education is not much researched, with this theme assuming a secondary position, different from the importance given to educational methods and techniques, wich emphasis on the instrumental aspects of the process with the disregard of these relations.
Keywords: interpersonal relationships; Distance Education; university
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como temática central
apresentar a análise da importância das relações interpessoais que o graduando
constrói entre colegas, professores e tutores em instituições de Ensino
Superior Públicas na modalidade de Ensino à Distância (EaD). A partir da premissa que o
relacionamento interpessoal no ambiente universitário é um fator que interfere
na adaptação e na vivência desta experiência de estudante de graduação e,
consequentemente, no alcance de resultados acadêmicos pretendidos pelos mesmos,
nesse artigo é feita uma revisão da produção disponível sobre o assunto. Em
conjunto com essa revisão, é feita uma análise dialogada com a experiência dos
autores.
A motivação para tratar esse tema, surgiu da
inquietação a partir da convivência com diferentes atores do curso de pedagogia
EaD[1] em
uma instituição de Ensino Superior Pública entre os anos de 2013 a 2017, em que
houve a observação de situações inerentes ao convívio interpessoal, que vão da
aquisição do novo, da construção do
conhecimento sem a presença constante de um professor presencial, até o
relacionamento com demais colegas e professores da instituição, em um processo
de socialização que ocorre com um público discente que tem característica estar
inserido na vida adulta, com atividades como a necessidade de trabalhar e lidar
com os afazeres domésticos e familiares.
O processo
de socialização organizacional, que norteia os trabalhos foi definido por
Borges et al (2010, p. 10) como uma situação dinâmica.
O processo de socialização, na
perspectiva do interacionismo simbólico e construtivismo social, consiste no
desenvolvimento da personalidade pelo sujeito do processo, em que ele se
apropria dos costumes e valores sociais em contato com o contexto sócio
histórica. É o processo de tornar-se membro de um grupo, organização ou
sociedade. Socializar-se implica o desenvolvimento de uma identidade
diferenciadora e, ao mesmo tempo, a inclusão sócio histórica ao meio
(construído), assemelhando-se e identificando-se com os grupos de referência
(BERGER; BERGER, 1977; BERGER; LUCKMANN, 1985; 2004; MARTINBARÓ, 1992; TORREGROSA;
VILLANUEVA, 1984). Tal processo, portanto, é dinâmico, no sentido de que é
movimento contínuo, encerra a vivência de contradições existenciais, bem como é
um processo que se desenrola durante toda a vida do indivíduo.
Assumindo a
perspectiva do interacionismo e do construtivismo, compreende-se neste trabalho
que a adaptação, tem um caráter mais cognitivo, compatível com a elaboração de
Geertz (2011), e pode ser entendida como o ajuste às diversas tarefas e
exigências no âmbito pessoal, social e escolar que compõem a dinâmica do
estudante no EaD, em certa medida condizente com a compreensão do processo
institucional da escolarização.
A vivência,
em seu sentido individual refere-se ao componente de cunho mais afetivo, ao
ethos (GEERTZ, op. cit.), conceito de relacionado com a experiência pessoal do
ritmo de trabalho e as relações que serão construídas naquele ambiente com os
sujeitos envolvidos.
A
Universidade, então, pode ser compreendida, em sua forma presencial ou à
distância, com sua organização, expectativas, e necessidade de produção e
cumprimento de metas e objetivos, como um dos espaços de socialização das
pessoas (ROBBINS, 2005), sendo influenciado pelos papéis sociais esperados e
pela singularidade individual do estudante.
Em um ambiente universitário, pode ser produzido
de forma mais intensa, as demandas sociais encontradas no dia-a-dia. Segundo Adriana Benevides Soares et al.
(2018), a prática da vivência em uma instituição de Ensino Superior Pública,
onde o ensino acontece a distância, exige dos alunos competência para utilizar
suas habilidades sociais, principalmente em situações que exigem um maior
desempenho interpessoal. A falta da presença física pode influenciar de forma
significativa na construção do percurso desenvolvido pelo aluno EaD. No tocante
à percepção individual do aluno deve ser considerado, como aponta Elias (1998)
que nem sempre o que é relevante pessoalmente, socialmente apresenta
importância, assim, é necessária a busca por pontos que permitam compreender
como a pessoa singular vivencia os contextos sociais, históricos e culturais e
aspectos da personalidade que influem nestes.
Para apresentar as definições a respeito das
relações interpessoais em um ambiente de trabalho universitário a distância,
bem como a convivência estabelecida pelos graduandos de pedagogia com os
sujeitos envolvidos nesse processo, nesse artigo é realizada a análise de
publicações dos bancos de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) onde foi feita uma revisão da produção bibliográfica, com o intuito de
se fazer saber a produção existente acerca de como as relações interpessoais
acontecem e interferem no processo de ensino/aprendizagem dentro dos ambientes
universitários a distância. Também são apresentados os conceitos de relações
interpessoais, Educação a Distância e os problemas que os graduandos enfrentam
ao escolher esse tipo de ensino.
É possível inferir, com base na análise da
produção bibliográfica e na vivência nas organizações, que o relacionamento
interpessoal, quando positivo, aumenta a produtividade e a satisfação dos
acadêmicos, mas quando negativo, pode prejudicar, e muito, a qualidade de
aprendizado e o desempenho acadêmico desses alunos. Essa observação, ainda que
algo consensual, considera que o comprometimento, como aspecto do comportamento
organizacional, repercute nas relações com as instituições e seus
participantes.
2
OBJETIVOS
Este artigo tem como objetivo avaliar a produção
bibliográfica sobre as
relações construídas entre os graduandos de cursos EaD com seus colegas e
educadores e as dificuldades que muitos enfrentam em construir relações sem a
presença física constante, a fim de verificar a existência de produções acerca
destas relações e possíveis conflitos interpessoais, assim como a sua repercussão
no ensino e na aprendizagem.
3 METODOLOGIA
Considerando
o objetivo exposto, o presente estudo trata-se de uma pesquisa documental de
abordagem qualitativa, com caráter exploratório (GIL, 2002). Recorreu-se a
pesquisa bibliográfica sobre relações interpessoais no ensino à distância para
fundamentar as discussões e a análise dos dados coletados. Em busca nos portais
da CAPES e SCIELO, utilizando os descritores: relações interpessoais, educação
à distância e universidade, o primeiro retornou cinco trabalhos e o SCIELO
apenas um.
A escolha
se deu por conveniência, atendendo aos objetivos da pesquisa, com o
delineamento das palavras chaves focado na temática. Foram encontradas seis produções, publicadas
entre os anos de 2007 e 2013. Após a seleção dos textos, no Portal da CAPES, em
setembro de 2019, com a consulta sendo novamente verificada no mesmo mês, foi
realizado o download dos textos no formato PDF. Com os trabalhos disponíveis,
foi feita uma leitura detalhada, para se obter a visão do panorama atual e
compreender os seus conteúdos. Conforme a necessidade sentida, a leitura foi
sendo retomada em partes mais significativas para a montagem dos resultados.
Nos
trabalhos encontrados, foi observado que dois são referentes a pesquisa de
pós-graduação, um foi escrito por uma doutora em Educação, um consiste em
dissertação de mestrado, um em relatório de pesquisa e outro estudo foi escrito
por uma pedagoga, em conjunto com uma mestra em ciência da educação e uma
doutora em informática. Esses artigos enfatizam o relacionamento interpessoal
na educação à distância e como este influencia na adaptação e desenvolvimento
acadêmico. Os dados dessa pesquisa foram coletados de trabalhos escritos a
partir de 2007, ano que foi instituído o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).
Nos
trabalhos pesquisados, nota-se que foram utilizadas cinco entrevistas
semiestruturadas individuais, um aponta o uso do método etnográfico, além de
observação e relatórios. As buscas levaram ao esclarecimento de como as
relações se estabelecem no cotidiano da EaD, como cada agente se vê e se
percebe e como reconhece o outro nesse processo.
4 RELAÇÕES INTERPESSOAIS E O ENSINO A DISTÂNCIA
O homem é um ser social e é natural do ser
humano se relacionar em todos os ambientes que frequenta, interagindo com
pessoas e objetos, de maneira ativa e passiva. Independente do grau de
afinidade que se cria com os outros é preciso desenvolver algum nível de
empatia que possibilite realizar ações em conjunto. As relações interpessoais é
um autoconhecimento, são aprendizados que se obtém sobre os próprios
sentimentos e conflitos internos que interferem diretamente no mundo exterior.
Essa relação pode modificar o ambiente em que se vive e resolver problemas e
conflitos enfrentados no dia-a-dia. Ao
discorrer sobre o conceito de relacionamento interpessoal, Marques (2018, p.1)
afirma:
De acordo com a
Psicologia e a Sociologia, podemos definir Relacionamento Interpessoal como a ligação, conexão ou vínculo
entre duas ou mais pessoas dentro de um determinado contexto. Este, por sua
vez, pode ser o ambiente de trabalho, familiar, social, religioso, amoroso ou
educacional, por exemplo.
Assim sendo, é natural do ser humano relacionar
e dessa forma, busca sempre estar ligado a alguém para trocar emoções, energia
e conhecimentos. Quanto mais positivos e
melhores for a relação estabelecida com o outro, maiores as chances de
construção de conexões e laços verdadeiros com as pessoas nas quais se convive.
A educação é um direito fundamental que cada ser
humano possui que ajuda, não só no desenvolvimento de um país, mas também no
desenvolvimento pessoal. Através dela, o desenvolvimento social, cultural e
econômico passa a ter suas possibilidades garantidas. Existem vários tipos de
modalidade de ensino reconhecidas no Brasil que são definidas por leis. Como se
vê nas ideias de Sylvia Constant Vergara (2007), as formas tradicionais de
ensino não estão dando conta de acompanhar o ritmo acelerado do turbilhão de
inovações tecnológicas, a falta de tempo e as incertezas e impaciências, o
excesso de informação e a necessidade de um número maior de pessoas com
escolaridade mais elevada, convindo apontar que este fenômeno não
necessariamente implica em serem mais educadas em um sentido amplo.
Perpassando pelas diferentes modalidades, é
nesse contexto que se encontra a modalidade de ensino a distância, que vem
crescendo bastante no território brasileiro, na qual é constatado que “O
aumento do número de ingressantes entre 2017 e 2018 é ocasionado,
exclusivamente, pela modalidade a distância, que teve uma variação positiva de
27,9% entre esses anos, enquanto nos cursos presenciais houve uma variação de
-3,7%” (BRASIL, 2019; p. 15)”.
Segundo Luiz Fernando Gomes (2013, p. 1) “A Educação a Distância (EaD) no
Brasil, foi criada e se desenvolveu por meio de iniciativas privadas e
decretos governamentais, cumprindo uma trajetória que acompanha a introdução e
o crescimento de cada tecnologia no país”. A EaD é uma modalidade intermediada
pela internet, que oferece diversos recursos que garantem graduação,
qualificação técnica e até pós-graduação para os ingressados e se diferencia da
modalidade tradicional pela forma como os conteúdos educacionais são
repassados, a ausência da presença física e a forma que se dá a relação dos
alunos com seus professores e colegas de curso.
As relações interpessoais e a aprendizagem
possuem característica em comum, pois para que ambas aconteçam, é preciso pelo
menos a mediação de duas pessoas. A boa relação entre professor, aluno e demais
colegas de classe, é um dos principais fundamentos para o desenvolvimento de
equilíbrio e sucesso no processo de ensino aprendizagem.
O relacionamento entre os sujeitos é uma questão
muito enfatizada na modalidade de ensino presencial. Ao pensar a EaD, a
primeira coisa que emerge é exatamente essa relação, que é peça fundamental na
construção do indivíduo e da sociedade em que está inserido. Na EaD, essa relação também existe e se
expande para além da relação aluno/professor. Essa relação exige racionalidade
e os afetos divididos entre os sujeitos. O relacionamento interpessoal
existente na EaD é diferenciado do vivenciado no curso presencial, pois na EaD
o aluno não escolhe com quem quer se relacionar.
Relacionamento para alcançar os objetivos
específicos do processo educacional, precisa ter contornos particulares.
Segundo Vergara (2007), “relacionamentos
em EAD devem provocar a curiosidade no aluno e criar-lhe oportunidades para o
fortalecimento de habilidades sociais na interação fecunda com outras pessoas”.
Sendo assim, as relações em EaD, ainda que enfatizem aspectos relacionais, são
incentivadas a colocar o foco no papel instrumental da educação e suas
técnicas. Assim é nítida a ambiguidade entre o papel de estimular a autogestão,
a busca de autoconhecimento e à formação de valores morais, fazendo com os
alunos se tornem cidadãos situados historicamente, e o afastamento que pode ser
gerado pelas Tecnologias de Comunicação no relacionamento com os demais, onde a
tecnologia, paradoxalmente, afasta e aproxima, estimula a relação e também cria
barreiras ao convívio presencial. No momento atual, um desafio é a busca da
conjunção destes aspectos.
4.1 Análise dos dados
Na tabela 1 podem ser observadas as informações
obtidas pela pesquisa no portal da CAPES. A partir dos descritores
selecionados, restringindo a amostra aos publicados a partir de 2007, foram
encontrados seis trabalhos.
QUADRO 1
Trabalhos selecionados a partir da
pesquisa no portal
Título |
Ano |
Instituição |
Estreitando relacionamentos na
Educação a Distância |
2007 |
UFRJ |
As relações interpessoais na
construção da EaD sob um enfoque etnometodológico e multirreferencial |
2009 |
Universidade Metodista de São Paulo |
Competências: desafios para
alunos, tutores e professores da EaD |
2009 |
UFRGS |
Relações interpessoais em
comunidades virtuais de aprendizagem |
2010 |
UFC |
A afetividade mediada por meio da
interação na modalidade a distância como fator preponderante para diminuição
da evasão |
2011 |
UCB |
A confiança e as relações
interpessoais assegurando o compartilhamento do conhecimento no ambiente
virtual de aprendizagem |
2013 |
UFSC |
Fonte: elaborado pela autora, 2019.
O primeiro
artigo, com o título: “Estreitando relacionamentos na Educação a Distância”, é
de em 2007 escrito por uma doutora em educação pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). O artigo privilegia a EaD e a questão do relacionamento
entre professores e alunos.
Neste texto
é argumentado que o relacionamento não é só privilégio do ensino presencial, e
que na EaD esse, também é possível, ocorrendo não apenas entre professores e
alunos, mas entre todos os sujeitos envolvidos naquele espaço. Fica evidente
nesta produção que a EaD é um fator de grande potencial contributivo à educação
presencial. A relação entre professor e aluno existe na EaD, mas vem de forma
diferenciada, pois não existe o contato face a face. Os relacionamentos em EaD devem ter foco no
papel da educação, onde a principal função é de alentar os alunos a serem
pessoas plenas. Ações que estreitem as relações, estão associadas à lealdade,
comprometimento, confiança e ajuda mútua.
O segundo
“As relações interpessoais na construção da EaD sob um enfoque etnometodológico
e multirreferencial”, de 2009, é uma dissertação do programa de pós-graduação
em Educação da Universidade Metodista de São Paulo. É proposto no trabalho um
entendimento sobre as relações interpessoais entre os sujeitos envolvidos na
construção e execução do projeto pedagógico de educação da modalidade a
distância sob uma perspectiva etnometodológica e multirreferencial, com o
objetivo de identificar como cada agente se vê e se percebe e como entende e
reconhece o outro nesse processo. Também busca identificar como os
relacionamentos se estabelecem no cotidiano da EaD e como os agentes se
interagem na estruturação do trabalho.
Esta
dissertação mostra que as relações interpessoais são fundamentais para a
construção dos processos de EaD. Essa, exige um intercâmbio de competências
sendo um processo em construção. Entretanto, quando se trata de conhecer
processos gerais que envolvem outros setores de trabalho, há uma ruptura nos
processos comunicativos e interacionais. Na modalidade à distância, o professor
não é o foco principal e o aluno não é apenas um receptor de informações. Os
papéis se misturam na tarefa educativa, onde o aluno assume papel de grande
autonomia e participação. Já o professor, divide seu papel com demais profissionais
de importância similar. Apesar de não estar explícito neste trabalho podem ser
reconhecidas algumas características da pedagogia freiriana.
O terceiro
“Competências: desafios para alunos, tutores e professores da EaD”, foi
publicado em 2009, por uma pedagoga, uma mestra em ciência da educação e uma
doutora em informática. Trata-se de uma pesquisa feita por pesquisadoras da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que evidencia que os papéis
assumidos na EaD são diferentes do que na modalidade presencial. A EaD exige
habilidades e competências apropriadas, sendo o uso das novas tecnologias a de
maior destaque. São necessárias competências mínimas para o papel de aluno,
tutor e professor virtual.
Nesta
modalidade, o relacionamento interpessoal entre alunos, professores e tutores
estão interligados. Professores e tutores, responsáveis pela mediação
pedagógica, auxiliam e criam meios para ajudar os alunos a aprender e o aluno
precisa se propor a aprender. Os alunos, por sua vez, precisam ter comprometimento
e disciplina e organização com relação a tempo e espaço para que tenham êxito
em seu processo de aprendizagem. Constatou-se nessa pesquisa que a disseminação
da EaD e a reconfiguração do ensino aprendizagem são os fatores que
transformaram a forma como alunos e tutores se relacionam entre si e com o
objeto de estudo/conhecimento.
O quarto
“Relações interpessoais em comunidades virtuais de aprendizagem” foi escrito em
2010 e trata-se de parte de uma dissertação de mestrado, construído na Universidade
Federal do Ceará (UFC), tendo como objetivo investigar as relações
interpessoais em cursos a distância. As manifestações das diferentes relações
interpessoais dependem da dimensão pessoal e não apenas da dimensão
situacional, sendo dada em determinados contextos e em situações específicas e
nas trocas de pensamentos, ideias e significados, essa fica mais evidente. Na
EaD, as habilidades sociais dos indivíduos são percebidas através da escrita,
sendo a comunicação predominantemente textual. As relações se dão através de
uma proximidade demonstrada em estar junto através de pensamentos e ideais,
dando significado às interações virtuais e não apenas a presença física. Fica
claro neste estudo que as relações interpessoais são muito importantes em
qualquer modalidade de ensino. O uso dos espaços virtuais não interfere nos
tipos de relações e os encontros presenciais são fontes de fortalecimento
dessas relações.
O quinto “A
afetividade mediada por meio da interação na modalidade a distância como fator
preponderante para diminuição da evasão” publicado em 2011 sendo um relatório
de pesquisa desenvolvido na Universidade Católica de Brasília (UCB). Esse
trabalho buscou mostrar que diversos são os motivos que levam a um grande
número de evasão em um curso a distância, sendo distância física entre
professor e aluno uma das maiores.
A
afetividade que se desenvolve por meio da mediação e interação entre os atores
envolvidos no curso, pode contribuir para a permanência do aluno no curso e,
consequentemente, diminuir o número de evasão. O grau de satisfação dos alunos
que criam vínculos de interação com tutores e demais colegas, é muito maior do
que dos alunos que apenas utilizam as ferramentas e materiais pedagógicos
disponibilizados. O papel do tutor é de suma importância nessa modalidade,
cabendo a ele instigar e despertar no aluno o interesse e a curiosidade para ir
além; sendo considerado um dos principais fatores para a permanência ou
desistência do aluno no curso. Dessa forma, faz-se necessário maior investimento
institucional na tecnologia e no treinamento e capacitação desses
profissionais.
O sexto “A
confiança e as relações interpessoais assegurando o compartilhamento do
conhecimento no ambiente virtual de aprendizagem” foi publicado em 2013, sendo
uma tese para o programa de pós-graduação da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). A pesquisa apresenta os fatores que interferem nas relações
interpessoais e na confiança para o compartilhamento de conhecimento nos
ambientes virtuais de aprendizagem. A padronização dos elementos e ferramentas
diminui as possibilidades de interação. As interações geram um ciclo de mútua
influência que levam ao surgimento de outras. A confiança que se estabelece
entre os membros do curso facilita muito o surgimento das interações, ou seja,
as interações são causas de relações interpessoais e as relações interpessoais
possibilitam o estabelecimento da confiança, que por sua vez, facilita o
surgimento de mais interações. Faz-se necessário um número maior de encontros
presenciais, pois são neles que os laços de confiança vão ser criados. A
padronização do ambiente, a uniformização das disciplinas, um número menor de
encontros presenciais são fatores que interferem nas relações interpessoais e
na confiança de compartilhamento de conhecimentos.
Apesar do
relacionamento na EaD ser diferenciado, esse também existe e é fonte de
interação e criação de confiança. Ao analisar os trabalhos identificados
pode-se notar que todas as produções são voltadas para as relações
interpessoais na EaD. O aprimoramento da mesma na construção da EaD, pode
determinar o potencial de adesão das instituições de educação.
Com o uso do recurso de nuvem de palavras, que superficialmente se assemelha aos instrumentos de Análise de Conteúdo (GIL, op. cit), os títulos dos artigos encontrados foram submetidos à ferramenta Tagcrowd[2], sendo encontrada a prevalência das palavras relações interpessoais, com três ocorrências, seguidas pelas palavras e termos aprendizagem, EaD e distância, conforme pode ser visto na figura 1.
Figura 1 – Nuvem de palavras dos títulos dos artigos.
Fonte: elaborado pela autora, 2019.
Esta
ocorrência permite inferir que, realmente, as relações interpessoais, pela sua
frequência, apresentam forte peso nos trabalhos produzidos.
Alunos que
mantêm relações interpessoais positivas com tutores e demais colegas, laços
afetivos de amizade, lealdade, compartilhamento, proximidade e confiança,
apresentam maiores possibilidades de permanecerem até o fim do curso. Os
resultados dos trabalhos apontam situações consideradas fáceis e difíceis. Nas
consideradas difíceis, os alunos têm dificuldades de lidar com as relações
interpessoais, o que gera conflitos interpessoais. Nas situações consideradas
fáceis, está o relacionamento com demais colegas, onde há admiração pelos
mesmos, a tolerância com a diferenças, a socialização e a aceitação. As
relações interpessoais que se concretizam na EaD, são entendidas como fator de
suma importância para a adaptação, vivência, desenvolvimento acadêmico, sendo
essa condição básica para gerar aprendizagem diminuir a evasão, que é um grande
desafio institucional para as faculdades e universidades, ainda mais nesta
modalidade (BRASIL, 2019).
Unindo
teoria à prática, a análise dos textos com a experiência vivida em um curso da
modalidade à distância, pode-se notar que no espaço universitário, as demandas
sociais são reproduzidas de forma mais intensa. Na modalidade de ensino a
distância, assim como no presencial, o aluno precisa realizar tarefas que
necessita de convivência e interação. Realizar trabalhos em equipe, interagir
com pessoas com características pessoais e sociais diferentes, pode ser algo
positivo ou negativo, dependendo do ponto de vista de cada um, ou seja, a forma
que cada um consegue lidar com o relacionamento interpessoal.
O
relacionamento na EaD vai além daquela vivida entre tutor e aluno. As relações
com demais colegas e o restante de atores envolvidos no processo, interfere
muito na forma como o aluno se adapta ao ambiente. Dentre todas as relações
interpessoais estabelecidas na instituição de ensino, a relação aluno/tutor é a
mais delicada. Isso acontece porque o tutor incorpora o papel de depositário do
conhecimento, esquecendo por vez que o aluno não é apenas mero espectador
passivo. A relação interpessoal saudável é aquela que permite uma cumplicidade
entre aluno e professor, onde é proporcionado um convívio baseado na confiança
e na troca de experiência.
Para
facilitar as relações interpessoais nos ambientes virtuais de ensino, os alunos
se valem de trabalhos realizados em grupo, símbolos e recursos tecnológicos
disponibilizados no ambiente. O que dá significado às interações virtuais, é a
capacidade de demonstrar emoções positivas ou negativas, a expressão da
solidariedade, estabelecimento de relacionamento afetivo e duradouro.
A troca de
informações, utilizando um recurso multimídia disponibilizado no ambiente
virtual, interação nos fóruns, conversas no chat, os trabalhos em grupos, grupo
de estudos e as redes sociais, são fatores positivos de promoção das relações
interpessoais, que são reforçadas com os encontros presenciais nos polos, onde
os alunos têm a oportunidade de reforçar os laços de afetividade criados no
ambiente virtual.
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção desse artigo se deu através de uma
pesquisa documental de abordagem qualitativa com caráter exploratório.
Recorreu-se a pesquisa bibliográfica para analisar produções acadêmicas sobre
as relações interpessoais na EaD, com o intuito de se fazer saber sobre as
relações construídas entre graduandos, seus professores e colegas de curso.
Afim de complementar essa pesquisa, foi feita uma análise dialogada com a
experiência de um dos autores.
As análises demonstram que as relações
interpessoais em EaD são muito importantes para o sucesso e permanência dos
alunos nesse tipo de curso, visto o alto número de evasões. Dificuldades e
conflitos são vivenciados, mas podem ser mitigados pela afetividade, o
companheirismo, o comprometimento, a confiança, a interação e pela ajuda mútua.
Relação entre aluno e tutor deve-se dar através da mediação, onde o tutor irá
ajudar o aluno a se fortalecer como autônomo e pensante, consequentemente, o
aluno contribui sendo comprometido, disciplinado e organizado.
Ao fazer as
pesquisas com as palavras-chave, pouco foram os resultados encontrados. Nota-se
que o tema relações interpessoais em EaD não é muito pesquisado e tampouco
elaborado, podendo ser essa, uma frente de pesquisa futura que aborde como elas
se constituem, qual a função que as tecnologias têm nessa mediação, e se a
evasão seria um sinal de dificuldades nos relacionamentos interpessoais, ainda
que grande parte do contato se dê por meios eletrônicos e virtuais.
É relevante
apontar que os artigos, em sua maioria, são de 2010, dado compatível com a
popularização do acesso à internet, uso de redes sem fio e expansão da rede de
dados da telefonia móvel. Além destes fatores, que ultrapassam o escopo deste
trabalho, na época citada, aconteceu a popularização e maior uso de
smartphones, fato que também merece ser mais investigado futuramente.
Por fim,
foi notado que as relações são vistas, principalmente, sob a ótica
instrumental. Ainda que pese o fato da EaD não ser uma modalidade tão recente,
remontando sua prática mais estruturada ao final do século XVIII, quando era
feita por meio de cursos por correspondência, o advento da internet e seus
recursos, como comunicações síncronas e assíncronas em tempo real,
possibilidade de vídeo-aulas interativas, podcasts e outras maneiras de
interação, elaboração e disponibilização de conteúdos deixou muitas vezes o
relacionamento interpessoal entre os participantes de lado, desconsiderando a
pessoa como um ser constituído nessas relações.
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