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Nicholas Takamoto Leal da Silva
Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Nove de Julho. Atualmente Advogado, Corretor e Avaliador Imobiliário, Palestrante e Funcionário Público.
Resumo
O presente artigo explora a
partir de uma extensa pesquisa bibliográfica a crise econômica causada pela
Pandemia de COVID-19, a relevância da empresa para a sociedade como agente
econômico, os pressupostos da intervenção do Estado na economia e, por fim, a
importância liberdade e dignidade humana para o desenvolvimento ideal do Estado.
Em minuciosa análise será aferida
os impactos da pandemia de COVID-19 na nação brasileira, interligando as
benesses da função social da empresa, esta que se tornou parâmetro
constitucional para o desenvolvimento sustentável da nação, pois delimitou de
forma explícita os poderes e a autonomia das ações empresariais e fortaleceu
seu papel de agente econômico essencial para manutenção dos empregos e do
desenvolvimento.
Dessa forma, primordialmente o
trabalho discorrerá brevemente sobre os impactos econômicos da COVID-19,
suscitando interessante parâmetro com a importância do respeito à função social
da empresa em prol do desenvolvimento da nação, em que o Estado se utiliza de
instrumentos de intervenção econômica para que sejam mantidas a ordem, e a
busca pela dignidade da pessoa humana.
Por fim, em sua conclusão será
analisado a correlação do futuro pós pandemia da política de desenvolvimento e
de fortalecimento econômico, com a atual intervenção mais efetiva que o Estado
constantemente vem realizando por meios de suas políticas públicas.
Palavras-chave: Direito
Empresarial, Desenvolvimento nacional, Empresas Economia,
livre concorrência, Liberdade, Dignidade Humana.
Sumário:
Introdução 1. Os impactos econômicos da pandemia na nação
brasileira 2. Da história da economia aos
agentes econômicos e a função social da empresa. 3. Regulação e Intervenção do
Estado na economia. 4. Meios de Atuação do Estado na economia. 5. O emergir do
capitalismo social e da constituição humanista de forma efetiva na pós pandemia. 6. Conclusão e as novas perspectivas
para o futuro pós pandemia.
INTRODUÇÃO
No
final de 2019, o mundo conheceu o seu pior inimigo desde a Gripe Espanhola, o
vírus Sars-cov-2, ou mais comumente conhecido como Coronavírus ou COVID-19
(nomenclatura essa concedida pela OMS em 11 de fevereiro de 2020).
Essa
nova doença respiratória extremamente contagiosa, segundo dados da OMS, surgiu
mais precisamente na China, em Wuhan. A primeira notificação oficial da OMS foi
emitida em 31 de dezembro de 2019, depois que as autoridades chinesas
notificaram casos de uma misteriosa pneumonia naquela metrópole chinesa de mais
de 11 milhões de habitantes, população comparável a São Paulo.
Segundo
pesquisas o surto inicial atingiu pessoas que tiveram alguma associação a um
mercado de frutos do mar em Wuhan, o que alertou a suspeita de que o vírus
teria sido transmitido de um animal silvestre para um humano.
A
primeira morte pela doença ocorreu em 09 de janeiro de 2020; um homem de 61
anos de idade na China. Após esse episódio, a epidemia alastrou-se
exponencialmente rápida, transmitindo para países vizinhos da Ásia e Oceania, passando
para Europa, África, América do Norte, América Central e por último América do
Sul.
O
epicentro inicial foi a China, mas rapidamente o epicentro se tornou Europa
(Itália, França, Espanha, Reino Unido liderando o número de contaminações e
mortes). Posteriormente EUA assumiu a liderança, tornando-se o epicentro da
pandemia mundial.
Nesse
período o mundo entrou em uma quarentena sem precedentes, fechando comércios e
fábricas, estagnando por semanas a economia mundial.
Enquanto
via o mundo fechar as portas de seus comércios entre final de janeiro e
fevereiro, a nação brasileira ainda vivia uma falsa sensação de que estava
imune à pandemia, tanto que em inúmeros Estados do território nacional foram
mantidas as comemorações culturais do Carnaval (24 e 25 de fevereiro) e outras aglomerações
de pessoas em shows e congressos. Em números absolutos e oficiais, nesse
período o mundo já contabilizava mais de 190 mil pessoas contaminadas.
Precisamente
em 26 de fevereiro, um homem de 61 anos, que viajou para Itália foi o primeiro
caso diagnosticado no Brasil; 11 de março (data esta que a OMS tardiamente
declarou o COVID-19 como pandemia) o país já possuía 52 casos; 17 de março
ocorreu a primeira morte pela doença no Brasil; posteriormente a 20 de março
diversos Estados brasileiros começaram a aderir a quarentena do isolamento
social, modelo este de intervenção estatal que obrigatoriamente fechou inúmeros
comércios que não eram considerados “essenciais”.
E
partir desse momento o Brasil ficou muito próximo do “Lockdown” nacional, que é
a imposição do Estado em tornar o confinamento da população obrigatória com
objetivo de tentar conter a doença, impedindo que haja transeuntes entre
cidades ou Estados, apenas há a possibilidade de sair da residência em casos
especiais ou essenciais. Esta medida é claramente uma evolução ao isolamento
social em prol de desacelerar a propagação do vírus. Entretanto, apenas alguns
Estados como Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, Ceará e Santa Catarina, mais
recentemente, utilizaram dessa medida extrema em alguns de seus municípios.
Nesses
termos, países como China, Espanha, Itália, Alemanha, entre outros também chegaram
a decretar lockdown nacional ou
regional, estabilizando suas contaminações.
Em
22 de maio de 2020, a OMS declarou a América do Sul como novo epicentro da
doença, com o Brasil puxando os indicadores de contaminados na região, e já se pré-estabelecendo
entre uma das nações mais afetadas pela referida doença.
A
quarentena ou distanciamento social no Brasil perdurou até meados da primeira
quinzena de junho, sendo que o setor econômico/industrial claramente pressionou
o governo para a reabertura urgente da economia.
Atualmente
o Brasil se encontra afundado em uma das maiores crises sanitárias e econômica
da sua história, se tornando em julho de 2020 o segundo pais mais atingido do
mundo em contaminados e vítimas fatais.
Nesse
cenário explicitaremos: os efeitos socioeconômicos causados pelo COVID-19; como
essa pandemia afetou as empresas e trabalhadores; quais medidas de intervenções
governamentais foram aplicadas pelo Estado nesse período; e por fim, qual o
papel e a função social da empresa em períodos de crise e posteriormente em
favor do reestabelecimento econômico da nação.
1.
Os
impactos econômicos da pandemia na nação brasileira.
Em
dezembro de 2019 quando foi identificada a nova doença na China, que
futuramente se tornaria uma pandemia, nenhuma nação soberana tinha a noção da
crise sanitária e econômica que o mundo enfrentaria no decorrer de 2020.
Pouco
tempo depois de diagnosticada, a doença se espalhou rapidamente pelos cinco
continentes, pela sua facilidade de transmissão e letalidade, especialmente
entre doentes crônicos e idosos.
Em
março de 2020, o número de casos confirmados no planeta já ultrapassava a
380.000 pessoas, o que criou um alerta vermelho para todas as nações,
independentemente do grau de desenvolvimento delas.
Temendo
que o pior acontecesse, inúmeros países iniciaram uma série de medidas
estratégicas e de intervenções econômicas com o objetivo de estabilizar os
possíveis efeitos dessa crise na Economia.
Países
como Japão, EUA, Alemanha, Dinamarca, Coréia do Sul, China, Brasil, entre
outras nações efetuaram medidas em prol de atenuar e amortizar os efeitos do
Coronavirus, de modo que em conjunto injetaram trilhões de dólares em suas
economias, flexibilizaram políticas fiscais, estimularam a economia por
intermédio de concessão de empréstimos e financiamentos a juros baixos e ainda
concederam auxílios financeiros aos mais necessitados, entre outras ações.
Nessa
seara o Estado brasileiro, por força da sua constituição econômica (termo este
utilizado por Eros Grau e explanado nos próximos capítulos), intercedeu
utilizando de macro medidas econômicas para atenuar os efeitos da crise que já
se perpetuava na Europa.
Como
medidas de enfrentamento da crise econômica e social gerada pela transmissão
massiva da população brasileira, e de forma a atenuar os efeitos das medidas de
contenção de contagio como o isolamento social (quarentena), o Estado
brasileiro efetuou inúmeras medidas que são amplamente citadas em seu site
institucional, como:
·
Incentivo
ao isolamento social;
·
Medidas
econômicas em prol de produtores rurais afetados pelo coronavirus, como a
prorrogação de parcelas de financiamentos e recursos para estocagem e
comercialização de produtos agrícolas;
·
Investimento
federal para construção de respiradores em território nacional;
·
Auxílio
Emergencial para mais de 27 milhões de desempregados ou autônomos, com recursos
superiores para mulheres solteiras e com filhos;
·
Saques
pontuais do FGTS;
·
Compras
públicas emergenciais de insumos necessários;
·
Vacinação
da população em relação ao vírus Influenza;
·
Resolução
CGSN nº 154, de 03 de abril de 2020, que dispõe sobre a prorrogação de prazos
de pagamentos de tributos no âmbito do Simples Nacional, em razão da pandemia
·
Medida
Provisória 927/2020: dispõe sobre a liberação de mais capital de giro para as
empresas, bem como o governo suspendeu o prazo para as empresas pagarem o FGTS,
postergação de pagamento do FGTS dos meses de março, abril e maio de 2020, com
possibilidade de parcelamento, Concessão de férias coletivas;
·
Resolução
CODEFAT 851/2020, que dispõe sobre a liberação de mais de R$ 5 bilhões de
crédito para as micros e pequenas empresas para programas mantidos com recursos
do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, voltados ao capital de giro;
·
MP
232/2020, convertida na Lei 14.025/2020, dispõe sobre a redução de 50% das
contribuições do sistema S (serviços sociais autônomos) , por 3 meses;
·
MP
946/2020, que dispõe sobre as transferências de valores não sacados do
PIS/PASEP para o FGTS para permitir novos saques a fim de inserir mais recurso;
·
Resolução
CODEFAT 857/2020, que dispõe sobre a antecipação do abono salarial para o mês
de junho de 2020;
·
Decreto
Federal 10.285/2020 e 10.302/2020, que dispõe sobre o corte temporário do IPI
para bens produzidos internamente ou importados, que sejam necessários ao
combate do COVID-19;
·
Resolução
BACEN 4.782/2020, que estabelece, por tempo determinado (até setembro de 2020),
em função de eventuais impactos da COVID-19 na economia, critérios temporários
para a caracterização das reestruturações de operações de crédito, para fins de
gerenciamento de risco de crédito. Facilitação de renegociação de empresas e famílias;
·
Resolução
BACEN 4.783/2020, estabelece a concessão de crédito extra, concedendo a baixa
na necessidade de capital próprio para a chamada “alavancagem”, com essa medida
a previsão é de aumentar a capacidade de concessão de crédito em torno de R$
637 bilhões;
·
MP
924/2020, dispõe sobre a liberação de crédito extraordinário da ordem de R$
5.099.795.979,00 para os Ministérios da Educação e da Saúde aplicarem no
enfrentamento da crise de saúde pública provocada pelo coronavirus;
·
MP
929/2020, dispõe sobre a concessão de crédito extraordinário de R$ 3.419.598.000,00
em prol de reforçar o Bolsa Família e a amplificação do programa, aumentando em
cerca de 1 milhão de novos beneficiados com essa medida;
·
Resolução
CNPS 1338, estabelece a redução de taxa de juros do empréstimo consignado para
aposentados e pensionistas do INSS, passando dos atuais 2,08% para 1,80% ao
mês, enquanto a taxa de cartão de crédito será reduzida de 3% para 2,70%;
·
Resolução
CAMEX n° 17/2020, prevê a redução para zero das alíquotas de importação de
produtos de uso médico-hospitalar englobando cerca de 50 produtos, abrangendo
desde luvas, máscaras e álcool etílico até respiradores, para facilitar o
atendimento da população e minimizar os impactos econômicos da pandemia;
·
Instrução
Normativa RFB n° 1927/2020, prevê a simplificação por parte da Receita Federal
do despacho aduaneiro de produtos de uso médico-hospitalar destinados ao
combate da Covid19;
·
MP
936/2020 convertida na Lei 14.020/2020, que prevê a criação do auxílio para
complementar a renda dos trabalhadores mais vulneráveis, que terão sua jornada
de trabalho e remuneração reduzidas;
·
MP
935/2020, abre crédito extraordinário em favor do Ministério da Economia no
valor de R$ 51.641.629.500,00, para os fins que especifica;
·
MP
925/2020, concede prazo de reembolso de 12 meses para as Companhias aéreas,
referente as passagens compradas até 31/12/2020e que acabaram canceladas devido
ao agravamento do coronavirus;
·
Decreto
64.968/2020, isenta do ICMS a parcela da subvenção da tarifa de energia elétrica
nos termos das leis nº 10.604 e n° 12.212, prazo: durante o período que
perdurar a emergência de saúde pública decorrente da pandemia de covid-19;
·
Portaria
8.024/2020 – INSS – que dispõe sobre o atendimento do INSS por intermédio de
canais remotos, em prol de reduzir os riscos de exposição da população;
·
Medidas
nos setores: da aviação, elétrico, energético, transporte e de incentivos aos
MEI, Micro, Pequenas, Médias e Grandes Empresas. (Governo Federal, 15 julho
2020)
Muitas dessas medidas foram amplificadas
pelos governos dos Estados, principalmente o de São Paulo, cujo qual concedeu
benefícios e medidas de incentivos econômicos as empresas, como os R$ 650
milhões de créditos subsidiados pela Desenvolve SP, Banco do Povo e Sebrae;
suspensão de protestos; benefícios à diversas categorias profissionais, obrigatoriedade
do isolamento social e posteriormente do uso de máscaras faciais de proteção, entre
outras medidas que também se encontram em seu site institucional (Governo de
São Paulo, acesso em 15 de julho de 2020).
Essas
medidas demonstram claramente o objetivo do Estado em manter a economia
saudável. Em contrapartida inúmeros estudos demonstraram que a economia estava
se recuperando, entretanto após janeiro os números começaram a apresentar
expressivas pioras. Ou seja, as medidas conseguiram apenas desacelerar a
iminente queda econômica do Brasil em
2020.
Para
corroborar o exposto anteriormente, abaixo estão os dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio Contínua – PNAD Contínua, estudo esse promovido pelo
IBGE, que demonstram claramente mensalmente o impacto da pandemia na economia
brasileira, cujo estudo não foi criado para esta finalidade, mas aclara bem a
problemática:
Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Dezembro 2019
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Rendimento
médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Dez 2019
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Janeiro 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Rendimento
médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Jan 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Fevereiro 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Rendimento
médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Fev 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Março 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Rendimento
médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Mar 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Abril 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Rendimento
médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Abr 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Taxa de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais, Maio 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Rendimento
médio mensal das pessoas de 14 anos ou mais, Mai 2020
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
(IBGE, acesso em 15 de julho de 2020)
Verifica-se
que em 2019 o cenário econômico nacional estava favorecendo a retração nos
números de pessoas desempregadas, entretanto após o impacto do Covid-19, a taxa
de desemprego começou a crescer novamente.
Estudos
referentes ao crescimento econômico brasileiro eram recorrentes no cenário
nacional, tanto que o Ministério da Economia do Governo Federal com a FGV
publicaram uma nota informativa denominada: “Atividade Econômica e Resultados
do PIB do 3º Trimestre de 2019”, onde demonstrava que o Brasil estava crescendo
economicamente:
No
3º trimestre de 2019, a economia brasileira manteve a trajetória de recuperação
da atividade, com aceleração da retomada do crescimento (+0,61% em relação ao
trismestre anterior, ajustado sazonalmente), ratificando o aumento da confiança
dos setores de serviços e varejo e dos consumidores que se iniciou após julho,
momento de anúncio do Novo FGTS. Destaca-se o crescimento robusto do
investimento e a retomada do consumo das famílias, enquanto o gasto do governo
retraiu novamente. Reforçando a tendência de crescimento do PIB privado em
substituição do PIB do setor público.
A
implementação de medidas de ajuste fiscal, o encaminhamento de reformas
estruturais, em especial com a aprovação da Nova Previdência, e as propostas
legislativas que apresentam formas adicionais de correção da má alocação dos
recursos da economia foram preponderantes para que as expectativas e os
indicadores econômicos superassem o pior momento em agosto/2019, ou seja, a
economia brasileira saiu do “fundo do poço”, com inflação sob controle e juros
baixos. (Governo Federal – Ministério da Economia, acesso em 15 de julho de
2020)
Por fim, este estudo ainda concluiu
com essa frase impensável nos tempos atuais;
Os
efeitos dessas medidas se propagarão para 2020 e o PIB do setor privado
continuará acelerando, confirmando um crescimento substancialmente superior ao
observado nos últimos anos. (Governo Federal – Ministério da Economia, acesso
15 de julho de 2020)
O
que claramente nos demonstra que a economia estava em linha crescente,
entretanto a partir de fevereiro começou a reagir negativamente, demonstrando
em análise dos dados expostos, principalmente o aumento expressivo do número de
pessoas desocupadas financeiramente.
Outro
cenário preocupante em termos econômicos é o que demonstra o IBGE na Pesquisa
Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas empresas. Esse relatório demonstra
claramente que 4 em cada dez empresas fecharam pela Pandemia. Abaixo estão em
anexo os principais gráficos do supracitado relatório:
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
(IBGE, acesso em
14 de julho de 2020)
(IBGE, acesso em
14 de julho de 2020)
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Nesse
sentido, fica evidente que o Brasil está no início de uma grave crise
socioeconômica, contudo fatores como: política pública eficiente, gestão
empresarial flexível às crises e respeito a função social da empresa podem
conjuntamente amortizar os efeitos da crise, bem como, promover o
reestabelecimento econômico de forma mais efetiva e vigorosa.
Pelo
exposto é vital para a construção desse raciocínio, demonstrar a história da
economia, a evolução dos agentes econômicos, a influência das normas nos
agentes e posteriormente a importância da empresa e a sua função social.
2.
Da
história da economia aos agentes econômicos e a função social da empresa.
As transações comerciais, traduzidas
anteriormente em atos comerciais exercidas pelos primeiros povoados remontam desde
à Antiguidade, se confundindo com o aparecimento das primeiras aglomerações
sociais, que culminou posteriormente no nascimento das civilizações, das
sociedades e dos Estados (e suas economias estruturadas) como conhecemos
atualmente.
Segundo
SAYEG em sua obra “Texto de Estudos – O
Capitalismo Humanista”, 2010, p. 67 e 68; a economia é um evento
normatizado desde os primórdios, tanto que o Código de Hamurábi (XVIII a.C), já
tratava de preços e salários, e no Código de Manu (II a.C a II d.C),
encontra-se artigos que dispõe sobre moeda e limitando a atividade econômica.
A partir da Idade Média emergiu uma nova
classe socioeconômica, constituídas por mercadores e comerciantes
especializados e organizados a fim de intermediar qualquer tipo de relação
comercial, chamada de Burguesia. Com a especialização do comércio houve-se a
aproximação dos produtores das pequenas cidades medievais com os grandes
centros populacionais existentes à época. Criou-se assim o início do “Estado
burguês”.
Com o decorrer dos anos a burguesia
cresceu inquestionavelmente, muito por sua conduta expansionista comercial, e
em decorrência de seu poder econômico começando a questionar decisões efetuadas
pelas outras camadas de poder da sociedade europeia na idade média. Para
alcançarem patamares de importância parecida com a dos senhores feudais, essa
nova classe social começou a comprar terras dos senhores feudais, dessa forma a
ascensão da burguesia no cenário político e econômico ocasionou diversos
confrontos com o poderoso Clero, e consequentemente com os senhores feudais
(grupos estes dominantes à época).Esse grupo posteriormente entraria em choque
com as lideranças econômicas atuais em prol de buscar um sistema econômico mais
moderno, pautado em decisões de todas as classes sociais, respeitando
“minimamente” a democracia, a liberdade individual e a liberdade econômica.
Nessa época se entendia que quanto menor a intervenção econômica efetuada pelo
Estado era melhor.
Na Idade Moderna, os burgueses unidos
aos governos soberanos atravessaram os mares e expandiram seus serviços em
âmbito continentais, interligando mercados de todas as regiões do planeta,
consolidando Corporações e criando suas próprias leis e jurisdição
particulares. Consequentemente, esta classe enriqueceu-se rapidamente, tornando-se
por este motivo muito influente e diferente das demais pela natureza específica
de suas atividades.
Com a Burguesia no poder de forma
equitativa, devido ao seu grande vigor econômico, houve-se a necessidade de
criar e difundir institutos jurídicos que regulassem o comércio. Na Europa, as
trocas entre nações se intensificaram ocorrendo a necessidade de normas que
regulassem suas atividades, intensificando e normatizando as características da
letra de câmbio, do processo de falência e da criação de sociedades mercantis.
Dessa época que decorreu o Código Savary, conjunto de Ordenanças que regulavam
o comércio terrestre, este qual foi inspiração para posteriormente criar-se o
Código Napoleônico (1807 – França).
Com rápido progresso das cidades e a
maior necessidade de consumo da população, bem como com a crescente rivalidade
comercial entre as nações iniciou-se uma constante busca por meios mais
eficientes de produção, que dispusessem de menor tempo para a confecção dos
bens e com uso reduzido de recursos. Com isso intensificou-se a implementação
de novas tecnologias que possibilitavam maior eficiência na produção dos bens,
fatos estes que posteriormente influenciariam a Revolução Industrial por todo o
Continente europeu. Sendo Inglaterra a percursora da Revolução Industrial,
devido ao forte êxodo rural e uma localização próxima ao mar, qual facilitava
as transações marítimas. Nessa época houve-se o desenvolvimento e aprimoramento
das máquinas à vapores.
Mas o marco dessa época foi a Revolução
Francesa (1789-1799), norteado pelos princípios Liberté, Égalité e Fraternité.
Sendo constituído o Código Napoleônico (1804) e posteriormente o Código
Comercial (1807). Iniciando-se o pensamento codicista que supervalorizava o
poder dos Códigos, dando início a era positivista, superando-se o Direito
Natural, que deixou de ser uma fonte direta de consulta. Daí resulta a febre de
codificação que varreu a Europa, no século XIX, espraiando-se pelas Américas, e
da qual o de Napoleão foi uma espécie de Código-modelo, mas muito mais do que
isso, uma permanente inspiração. Portanto, a era moderna desdobra-se na sombra
dos ideais conquistados pela Revolução Francesa; o crescimento das repúblicas e
das democracias liberais ao redor do mundo, a difusão do secularismo, o
desenvolvimento das ideologias modernas e a invenção da guerra total.
Em um segundo momento, entre os períodos
de 1860 a 1900, o mesmo aconteceu em países como a Alemanha, França, Rússia e
Itália. No período subsequente as Revoluções Industriais, verificam-se as primeiras
fusões, cisões e incorporações empresariais, dando origem aos grandes
conglomerados, estas quais buscavam o lucro extremo de suas operações.
No decorrer da história Contemporânea,
verifica-se além de um exacerbado aumento do consumo e da produção de bens, o
emergir de Potencias Imperialistas Expansionistas altamente industrializados no
Continente Europeu (França, Alemanha, Itália, Espanha e Inglaterra), no
Asiático (Japão) e posteriormente no Americano (Estados Unidos da América).
Nesse período a concorrência entre esses países tornava-se cada dia mais
agressiva e acirrada por mercados e territórios. Essas disputas foram fatos
determinantes à ocorrência da 1° e da 2° Guerras Mundiais, muita vezes com
interesses camuflados por infindáveis discursos com base na proteção
territorial e populacional dos países conflitantes.
Importante salientar que no período do
século XVI até pouco depois da quebra da bolsa americana de 1929, em que EUA já
se consolidava como a maior e mais poderosa nação do mundo, pregava-se o
liberalismo econômico, ideologia esta que rejeitava o intervencionismo estatal,
e entendiam que a economia se organiza por si mesma, de forma natural. O maior
expoente dessa ideologia foi: Adam Smith. Ocorre que após a quebra da bolsa,
percebeu-se que uma economia sem intervenção ou norteamento poderia criar
colapsos astronômicos até maiores aos que ocorreram em 1929, que claramente
poderiam ser fatal para a economia do país, tanto que se houve a necessidade de
uma série de medidas de intervenção do governo americano para colocar EUA nos
eixos novamente, sendo denominadas de “NEW DEAL”.
Um pouco adiante na história, após a
segunda guerra, com as experiências tecnológicas advinda das Guerras,
iniciou-se uma nova era para o comércio, com o surgimento de uma indústria cada
dia mais eficiente em um mercado cada vez mais tecnológico. O marco principal
para nova era foi o aparecimento principalmente de computadores e o advento da
internet, que posteriormente revolucionaram o comércio.
Diante as explanações, torna-se claro
que não há desenvolvimento econômico-social de uma nação sem o fortalecimento
de seu comércio, pois é nele que há maior porcentagem de empregabilidade da
população, ou seja, conforme expõe Rubens Requião (2011, p. 28), “[...]
Aparelha-se, dessa forma, o comércio para desempenhar a sua função econômica e
social, unindo indivíduos e aproximando os povos, tornando-se elemento de paz e
solidariedade, numa intensa ação civilizadora.[...]”.
Porém
há excessos no capitalismo, como assevera Norberto Bobbio:
(...)
da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do
Estado é que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram
profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria
organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores,
sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX (...) Liberalismo e
igualitarismo deitam suas raízes em concepções da sociedade profundamente
diversas: individualista, conflitualista e pluralista, no caso do liberalismo;
totalizante, harmônica e monista, no caso do igualitarismo. Para o liberal, a
finalidade principal é a expansão da personalidade individual, abstratamente
considerada como um valor em si; para o igualitário, essa finalidade é o
desenvolvimento harmonioso da comunidade. E diversos são também os modos de
conceber a natureza e as tarefas do Estado: limitado e garantista, o Estado
liberal; intervencionista e dirigista, o Estado dos igualitários.
(2000,
p.42)
Portanto,
pode-se concluir que o que se entende por Estado até pouco antes da primeira
guerra era atribuído função de produção de direito e segurança, não se
admitindo que houvesse intervenção econômica na “ordem natural” da economia,
pela visão extremamente liberalista, ainda que lhe incumbisse a defesa da
propriedade, assim ocorrendo uma separação virtual entre Estado e economia, de
forma totalmente equivocada. Porém com o decorrer do desenvolvimento histórico
econômico, alterou-se paulatinamente e o Estado recebeu a característica
neoconcorrencial ou intervencionista, tudo feito de forma codificada e dirigida
para que se atinja o fim pretendido, em prol do bem-estar da sociedade.
No
Brasil pode-se salientar que ainda à luz do liberalismo, a economia já havia
sido disciplinada na Constituição Imperial de 1824, mesmo que de forma
extremamente sucinta. No entanto, a partir do Código comercial de 1850
(claramente inspirado no Código Mercantil Napoleônico de 1807), já trazia uma
posição mais intervencionista e dirigista do Estado na economia. Porém, com o
Governo Vargas, Juscelino Kubitschek e posteriormente com os Militares a
atuação e intervenção foi maior, pois foram governos que acreditavam no
crescimento pautado na máquina pública como o vetor de tudo, em que a empresa
pública se torna o principal agente econômico da nação.
Após
a Constituição de 1988 criou-se parâmetros para tornar o Estado Regulador: EC
n°s 05,06,07, 08 (15.08.1995) e 19 (04.06.1998); Programa Nacional da
Desestatização (Lei 8031/90); Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90); Lei
de Defesa da Concorrência (Lei 8884/94); Lei de Concessão de Serviços Públicos
(Lei 8987/95); Lei de Processo Administrativo Federal (Lei 9784/99);“Conselho
de Reforma do Estado” – DEC. 1738/96. Todas essas leis possuem por finalidade
regular na economia em situações ou áreas que sejam necessárias.
Conforme
o próprio site da Controladoria-Geral da União: “A regulação abrange toda forma
de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção
através da concessão de serviço público ou no exercício de poder de polícia
administrativo. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a regulação se divide em três áreas: a regulação econômica e
dos setores da economia pelo Estado; a regulação social, que regula as
atividades de interesse social; e a regulação Administrativa traduzida pela
soberania do Estado e no poder regulamentar.
Agora
voltando aos agentes econômicos anteriormente citados, é essencial evidenciar a
importância da empresa nessa questão, mas antes é preciso entender do que se
trata esse termo.
• Agentes Econômicos: são todos
os indivíduos e instituições com autonomia e capacidade para realizar
transações e relações com objetivos econômicos, influenciando assim a Economia.
São eles: Família, Governo/Estado, Exterior e Empresas (Instituições
financeiras ou não financeiras).
Os
agentes econômicos são amplamente influenciados pelas políticas públicas do
Estado, assim como preconiza Luiz Carlos Barnabé de Almeida:
O
Estado, na busca de maior justiça social, por meio da intervenção no mercado
para coibir suas falhas com uso de leis ou medidas provisórias, afeta o
comportamento dos agentes econômicos, incluindo o próprio governo. São
exemplos:
1.
Determinação
do salário mínimo;
2.
Tabelamento
de preços;
3.
Política
penal;
4.
Valores
determinados para a previdência social;
5.
Reajustes
na locação de imóveis;
6.
Lei
do zoneamento urbano;
7.
Leis
aduaneiras. (2012, p. 100)
Nesse
sentido, a importância socioeconômica dos agentes econômicos, principalmente as
empresas em prol do estabelecimento e desenvolvimento de uma nação é inegável, bem
como, a influência das medidas efetuadas pelas políticas públicas do Estado, independentemente
da Empresa ser micro, pequena (familiares ou de subsistência) ou uma grande
transnacional.
É
a Empresa, o agente econômico que mais emprega, e consequentemente movimenta a
Economia nacional, como bem explana Dr. Fábio Konder Comparato:
“É
dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa
deste país, pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial já
equivale, no Brasil, a 60% da renda nacional.”(1995, p. 3)
Por
tal motivo social que as empresas são instrumentos estratégicos dos governantes
para promover o crescimento econômico, por isso, por exemplo o cuidado em se
ter a promulgação da Lei da Liberdade Econômica.
Lembrando
que o desenvolvimento socioeconômico ocasionado pelas empresas é notório e
intrínseco às mesmas, característica essa basal, ou seja, encontra-se em sua
função social.
A
função social da empresa foi citada pela primeira vez por Fábio Konder
Comparato (1986), que citou a empresa como a instituição social mais influente
e decisiva da civilização contemporânea, e ainda fez uma analogia maravilhosa
entre os haveres que as empresas têm para com a sociedade em que está inserida,
correlacionando com o princípio da função social da propriedade, normatizados
nos arts. 5º, XXIII, e 170, III, Constituição Federal Brasileira de 1988.
“Se
se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e
poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da
civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a
empresa.” (1995, p.3)
Explanou-se
que para exercer a função social da empresa, esta qual estaria contida
implicitamente nas normas supracitadas, a empresa nunca deverá concentrar todos os esforços para satisfazer
apenas os interesses do empresário, mas respeitando todos os outros interesses
jurídicos que a circunda, ou seja, a Constituição Federal respalda e protege os
interesses metaindividuais da sociedade como um todo ou da parcela que for
afetada pelo modo com que são empregados os interesses da empresa ou o fim que
são destinados os seus bens de produção.
Sendo
assim, de forma implícita, a Constituição Brasileira reconheceria o Princípio
da Função Social da Empresa e seus efeitos, como expõe o Professor Dr. Fábio
Ulhôa Coelho:
A
Empresa cumpre a função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao
contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em
que atua, de sua região ou do país, ao adotar práticas empresariais
sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeitar os direitos dos
consumidores, desde que com estrita obediência às leis a que se encontra
sujeita. (2017, p.75)
Também podemos salientar o entendimento de Gladston
Mamede:
O
princípio da função social da empresa é metanorma que tem essa matriz
demandando seja considerado o interesse da sociedade, organizada em Estado,
sobre todas as atividades econômicas, mesmo sendo privadas e, destarte,
submetida ao regime jurídico privado.(...) Suas atividades e seus resultados
desenvolvem a economia, e destarte, acrescentam esforços de desenvolvimento
nacional, um dos objetivos fundamentais da República, segundo o artigo 3º, II,
da Constituição. (2011, p.48)
Portanto,
conclui-se que a função social da empresa é fator implícito e geral, mantendo
estrito alinhamento com a função social da propriedade, e nesse sentido, o
Estado conjuntamente com os interessados (população economicamente ativa e
empresários) têm o dever de ressaltar e manter esse princípio cada vez mais
presente nas relações comerciais, pois além de se utilizar da iniciativa
privada em prol do desenvolvimento sustentável da nação, incorrendo na geração
de riqueza produtiva, em contrapartida ainda haverá sempre a preocupação social
com a manutenção dos postos de trabalhos, as condições, bem como, o respeito à
livre concorrência e a livre iniciativa, princípios relativamente importantes
para movimentar a economia e o desenvolvimento de uma nação.
E
majoritariamente nesse período de pós pandemia, em prol da reestruturação da
economia em âmbito nacional, as Empresas terão um caráter social fundamental,
ao serem o importante elo de geração e manutenção de renda da sociedade, e
terão que amenizar a sua busca incessante por lucro para poderem reafirmar seus
valores sociais e sua vital importância nesse momento tão avassalador.
3.
Regulação
e Intervenção do Estado na economia.
Antes
de adentrarmos mais profundamente no tema da Intervenção, precisamos pincelar novamente
o que é regulação do Estado na Economia.
A
regulação é entendida como um conjunto de medidas e ações do Governo que
envolvem alguns fatores: criação de normas, controle e fiscalização de
segmentos de mercado explorados por empresas para assegurar o interesse público
estando diretamente ligada aos direitos do cidadão e a proteção da sociedade
ganhando maior robustez a partir da criação do “Conselho de Reforma do Estado”
– DEC 1738/96 e do estabelecimento das agências reguladoras, em prol de normatizar,
paramentar e fiscalizar a prestação de serviços públicos pela ação dessas
agências, sendo elas: ANAC, ANATEL, ANEEL, ANP, ANS, ANTAQ, ANCINE, ANTT,
ADASA, ANA e ANVISA.
As
principais formas de regulação do Estado na Economia são: concessão de serviço
público, planejamento social e econômico em prol do interesse social, agências
reguladoras e exercício do poder de polícia por intermédio da limitação da
liberdade dos particulares e da intervenção econômica, por meio de
estabelecimento e criação de normas e da atuação efetiva do agente fiscalizador
(CADE).
A
intervenção do Estado no domínio econômico nada mais é do que todo o ato legal,
pautado em princípios constitucionais, que tenham por fim restringir,
condicionar, reprimir ou suprimir a iniciativa privada, em prol da equidade no
desenvolvimento nacional e a justiça social, garantindo aos cidadãos da nação
seus direitos e garantias individuais. Sendo a principal forma de regular a
economia no Estado.
Como
motivação central pode-se citar que a intervenção estatal na economia começou a
surgir com a derrocada do ideal econômico como “ordem natural”, pois havia uma
discrepância enorme entre os lucros auferidos pelas corporações em detrimento
da sua contribuição social, portanto, se viu necessário um Estado que assumisse
determinadas responsabilidades.
Promovendo um parâmetro interessante
entre a história da economia e o início da intervenção econômica efetuada pelo
Estado percebe-se que não foi de todo modo pacífico, porém a necessidade de
resguardar direitos inerentes a dignidade do ser humano, bem como, o interesse
das empresas em serem respaldadas pelo governo em relação a políticas
protecionistas de mercados, fez com que se houvesse constante necessidade da
aceitação da intervenção econômica, ou seja, entende-se que a crescente
aceitação da intervenção do Estado na economia representou a queda da aplicação
puritana da doutrina do Estado liberal defendida pela Escola Clássica do
pensamento econômico, liderado por Adam Smith.
Nascia desde então um Estado interventor
econômico que atuaria em prol de garantir o exercício racional das liberdades
individuais, ou seja, conforme apregoava John Maynard Keynes, o Estado
respeitaria os postulados liberais (pelo princípio da vedação do retrocesso
social) e inibiria as extravagâncias do liberalismo.
Desse
modo a intervenção econômica tem como escopo garantir a livre competição e a
preservação do mercado, e concomitantemente diminuir a desigualdade em prol da
justiça social e proteger os direitos fundamentais dos cidadão nele inseridos,
seja contra o Estado ou instituições privadas utilizando-se de políticas
públicas para que assim ocorra uma distribuição mais equitativa de renda,
ajustando a economia em um “desenvolvimento sustentável”, com a efetiva atuação
do Estado na atividade econômica da nação em prol de garantir a preservação dos
direitos subjetivos nas relações econômicas, seja de seus sujeitos diretos ou
indiretos.
Nesse sentido é de suma importância
salientar que nossa Carta Magna é reconhecida por ter normas e parâmetros
econômicos, priorizando o chamado desenvolvimento sustentável, tanto que é
chamada de Constituição econômica. Para isso vejamos o que dispõe Eros Grau:
A
idéia de Constituição Econômica ganhou corpo na doutrina alemã, neste século, a
partir da consideração do quanto dispôs a Constituição de Weimar a respeito da
vida econômica. (...)Conceitua-se-a, então, como “o conjunto de preceitos e
instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um
determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e
funcionamento da economia e constituem por isso mesmo, ipna determinada ordem
econômica (Vital Moreira), ou, definida a partir de sua função, como “formada
pelo ordenamento essencial da atividade econômica – contendo os princípios e as
normas essenciais ordenadoras da economia, dos quais decorrem sistematicamente
as restantes normas da ordem jurídica da economia (Antonio L. Sousa Franco). (2010, p. 77)
Outrossim ainda é importante
salientar que o próprio Eros Grau (2010, p.76) explana sobe a existência de
dois tipos de Constituições Econômicas, sendo elas: Constituição Econômica
Estatutária e Diretiva (ou programática). A primeira entende-se como àquela que
“estatui, definindo os estatutos da propriedade dos meios de produção, dos
agentes econômicos, do trabalho, da coordenação da economia, das organizações
do capital e do trabalho”, a segunda, compreende-se àquela que “define o quadro
de diretrizes das políticas públicas, coerentes com determinados objetivos
também por ela enunciados”, sendo nessa última em que germinam e se estabelecem
parâmetros e meios para a criação e modificação das novas ordens econômicas; e
é na primeira e que se consagra, por meio da Constituição Federal de 1988, que
o sistema econômico predominante no Brasil é o capitalismo, porém com a
previsão da presença do Estado para implementação do regime social em prol do
desenvolvimento sustentável.
4.
Meios de Atuação do Estado na economia.
Como
se pode verificar no decorrer deste trabalho, a intervenção do Estado na
economia nacional é uma realidade, e principalmente, uma necessidade como forma
de assegurar a própria existência da noção de mercado, ocorrendo uma inequívoca
conexão existente entre os direitos transindividuais e a ordem econômica.
Importante
salientar que o fato do Estado poder intervir na economia já reduz
significativamente os riscos, seja para os indivíduos diretos, indiretos,
quanto para as empresas, gerando segurança jurídica e econômica na prossecução
dos princípios capitalistas, por sempre respeitarem e seguirem uma linha de
coerência com os interesses do capitalismo.
Diante
o exposto, o Estado pode interferir na ordem econômica de modo direto ou
indireto. A primeira forma entende-se pelo Estado explorar diretamente a
atividade econômica (agente econômico), seja por monopólio quando em
participação com as empresas do setor privado por meio de concessões (art. 175,
Constituição Federal), entretanto o caráter público da referida atividade
econômica será devidamente mantida; a segunda forma o Estado atua como agente
normativa e regulador da atividade econômica em prol de resguardar o princípio
da livre-concorrência, consequentemente evitando abusos, fiscalizando excessiva
concentração de mercado por uma única empresa ou grupo empresarial e coibindo
ações ilegais das empresas no meio econômico. Respectivamente, ambas estão
dispostas na Constituição Federal, em seus artigos 173 e 174:
Artigo
173, caput, da CF/88: A exploração direta de atividade econômica pelo Estado só
será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Artigo
174, caput, da CF/88: Como
agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
·
Exploração
direta da atividade econômica pelo Estado
A
prestação direta dos serviços públicos pelo Estado é exercida pela
Administração Pública, esta qual pode ser direta ou indireta (empresas
públicas, sociedades de economia mista e concessões de uso/prestação de
serviços por empresas privadas pelo Estado), lembrando que todo atividade
executada pelo Estado, mesmo que seja por meio de alguma instituição privada,
que se obteve por intermédio de concessão, estes serviços jamais perdem a
conotação pública.
Importante
ressaltar que não há livre iniciativa no serviço público, uma vez que esta
incide sua prestação em decorrência de uma determinação oriunda do Estado,
diante de uma necessidade inerente naquela área. Essa prestação pode ser
exercida ou não em caráter de privilégio.
Todavia há de ressaltar que excepcionalmente
os casos explícitos em lei, o Monopólio, ou mesmo o privilégio para empresas
privadas e que não estão prestando serviços ao Estado por meio de concessão é
estritamente proibido por lei.
Sobre tal proibição, explana José Afonso da
Silva:
Está previsto que a lei reprimirá o abuso do
poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência
e ao aumento arbitrário dos lucros. (2013, p.812)
Já
as hipóteses de monopólio estatal estão dispostas, taxativamente, no artigo 177
da Constituição Federal.
Artigo 177, CF: Constituem Monopólio da
União:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de
petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou
estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos
e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos
anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto
de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem
assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e
gás natural de qualquer origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais
nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção,
comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão,
conforme as alíneas b e c do
inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.
§1° A União poderá contratar com empresas
estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV
deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.
§ 2° A lei a que se refere o §1º disporá
sobre:
I – a garantia do fornecimento dos derivados
de petróleo em todo o território nacional;
II – as condições de contratação;
III – a estrutura e atribuições do órgão
regulador do monopólio da União.
Analisando os incisos do artigo
supramencionado é evidente vislumbrar que o Estado “monopolizou” para si as
principais matrizes energéticas.
Outrossim, ainda mencionar o artigo 21da
Constituição Federal, este qual dispõe sobre a prestação das seguintes
atividades por parte da União, explorando-as diretamente ou por meio de
terceiros: explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e
exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus
derivados; emissão de moedas; serviço postal; serviços de telecomunicações;
serviços de radiofusão; serviços de energia elétrica; aproveitamentos dos
cursos d’água; navegabilidade aérea; aeroespacial; transporte ferroviário;
aquaviário; rodoviário interestadual e
internacional; portos marítimos; fluviais e lacustres.
Portanto, mesmo atuando na atividade
econômica em sentido estrito, o Estado sempre se pautará em um interesse social
que culminará na intervenção (segurança nacional ou relevante interesse
coletivo).
·
Exploração indireta da atividade econômica
pelo Estado.
A intervenção do Estado na economia também
pode ocorrer de forma indireta em dois casos: direção ou indução. Nesse tipo de
exploração o Estado efetuará atividades regulatórias; na intervenção por
direção o Estado determinará o cumprimento de mecanismos e padrões de
comportamento compulsório dos agentes econômicos privados; na intervenção por
indução o Estado adequará os instrumentos de intervenção para que estejam em
conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.
É importante salientar que a intervenção
indireta se baseia no artigo 174 da Constituição Federal, pois o Estado tem
função de agente regulador e normativo da atividade econômica, desempenhando à
luz da lei, as funções de fiscalização, incentivo, direcionamento e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o
setor privado.
Nesse sentido, se faz necessário uma citação
de Eros Grau:
No caso das normas de intervenção por
direção estamos diante de comandos imperativos, dotados de cogência,
impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos
agentes que atuam no campo da atividade econômica em sentido estrito –
inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram. Norma típica de intervenção
por direção é a que instrumenta controle de preços, para tabelá-los ou
congelá-los. No caso das normas de intervenção por indução defrontamo-nos
com preceitos que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma
carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas
dispositivas. (...)(2010, p.92)
Pintarelli (2012, p. 57) afirma, ainda, que
indiretamente, a intervenção do Estado pode se dar por direção ou indução, na
primeira, este desenvolverá atividade regulatória determinando mecanismos e
normas de comportamento compulsório dos agentes econômicos privados, ao passo
que na segunda, o Estado atua manipulando os instrumentos de intervenção em
consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.
Em conformidade com que elucida Hely Lopes
Meirelles:
(...) atuar é intervir na iniciativa privada.
Por isso mesmo, a atuação estatal só se justifica como exceção à liberdade
individual, nos casos expressamente permitidos pela Constituição e na
forma que a lei estabelecer. O modo de atuação pode variar segundo o objeto, o
motivo e o interesse público a amparar. Tal interferência pode ir desde a
repressão a abuso do poder econômico até as medidas mais atenuadas de controle do
abastecimento e de tabelamento de preços, sem excluir outras formas que o Poder
Público julgar adequadas em cada caso particular. O essencial é que as medidas
interventivas estejam previstas em lei e sejam executadas pela União ou por
seus delegados legalmente autorizados. (2010, p. 672)
Outrossim suscitar que o fato de cada
vez mais o Estado se tornar assistencialista, ou Estado Social, está fazendo
com que se transfira ainda mais a atividade econômica para a iniciativa
privada, reservando para si a função apenas de regulador e fiscalizador em prol
de uma economia equilibrada, tanto que há uma tendência à terceirização e a
concessão de serviços que antes eram exercidos exclusivamente pelo poder
público.
Como supracitado, o artigo 174 da
Constituição Federal limitou a intervenção em três funções: fiscalização,
incentivo e planejamento.
§ A fiscalização é exercida por meio do
poder de polícia, nesse caso o Estado por intermédio de seu órgão fiscalizador
verifica se os agentes econômicos privados estão atuando em conformidade com as
disposições normativas referentes as suas atividades comerciais. O órgão fiscalizador
é o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que é o órgão administrativo
encarregado de atuar contra o abuso do poder econômico.
§ O
incentivo disposto no texto
constitucional alude a ideia de um Estado promotor da economia; por meio de
ações de proteção, estímulo, promoção e auxílio aos agentes privados.
§ Por
fim, o planejamento econômico
manifesta-se por meio de um processo técnico de intervenção, cumulado com
políticas públicas oriundas do Estado no domínio econômico, com a finalidade de
organizar às atividades econômicas para obter resultados previamente almejados.
Cabe ressaltar que que o Estado apenas direciona, oferecendo os caminhos para o
desenvolvimento da atividade econômica dos agentes privados, porém não dispõe
de força coercitiva, em decorrência do princípio da livre iniciativa e livre
concorrência.
Em suma, se verifica que a intervenção no
domínio econômico, disposta pelo artigo 174 da Constituição Federal, é indireta na medida em que o Estado não
está atuando na exploração exclusiva de uma atividade produtiva, mas sim,
fiscalizando o equilíbrio do livre mercado e da livre concorrência, ou seja, o
Estado incentiva a livre iniciativa e efetua a fiscalização e o planejamento
econômico por intermédio de órgãos fiscalizadores e medidas de políticas
públicas para alcançar os fins desejados com base nos princípios da ordem
econômica.
5. O emergir do capitalismo social e da
constituição humanista de forma efetiva na pós pandemia.
Conforme
o exposto anteriormente, a intervenção econômica do Estado no Brasil é uma
prática constitucional, amparada pelos artigos 170 e seguintes da Constituição
Federal de 1988, sendo base para as medidas intervencionistas e de políticas públicas
que produzem efeitos socioeconômicos no país desde aquela data e principalmente
nesse período da pandemia de coronavirus.
Durante
a quarentena, os governantes brasileiros produziram inúmeras medidas nacionais
ou regionais para conter o avanço do contágio, bem como, para amortizar os
efeitos dessa crise no setor econômico como um todo. Entretanto, o país iniciou
um lento período de reabertura da economia a partir de junho de 2020. E em
termos econômicos somente daqui alguns meses poderá ser aferido quais medidas foram
realmente efetivas nesse cenário de pandemia e pós pandemia, e quais promoveram
um direcionamento maior ao desenvolvimento sustentável e humanista da nação
brasileira.
É
evidente que de maioria das nações afetadas tomaram medidas em prol de aferir
cuidados mínimos existenciais, com políticas públicas voltadas a renda mínima
aos necessitados, bem como, em favor da manutenção dos empregos e da saúde das
empresas, principalmente das pequenas empresas. Outrossim, a paralisação mundial
que ocorreu, demonstrou que o planeta também pode se recuperar da poluição e
dos agentes nocivos, caso haja a massificação da consciência ecológica, tanto
que em inúmeros lugares as águas fluviais se tornaram límpidas novamente, o ar
se tornou mais puro e assim por diante, aclarando que o planeta, como um ser
vivente e recuperável, também precisava de um “descanso” das ações humanas.
Nesse
sentido, a sociedade claramente se preocupou e, no futuro, se preocupará em
obter um desenvolvimento realmente sustentável e ecológico, pautado em um
respeito com a natureza e com o seu semelhante humano, tratando-o com respeito
e empatia, lhe garantindo o mínimo existencial, bem como, estará disposta a
aferir com mais cuidados as questões da humanização efetiva das políticas
públicas, em que ocorra o respeito a dignidade e a liberdade do ser humano, que
garantirá o desenvolvimento sustentável da nação, tal como, o desenvolvimento
da sociedade lhe retribuirá em mais liberdade, como preceitua Amartya Sen em sua
obra Desenvolvimento como Liberdade:
Os fins e os meios do desenvolvimento
requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo
de desenvolvimento; é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico
apenas a maximização da renda ou da riqueza, que é, como observou Aristóteles,
“meramente útil e em proveito de alguma outra coisa”. Pela mesma razão, o
crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo.
O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que
levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos
razão para valorizar não so torna nossa vida mais rica e desimpedida, mas
também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática
nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse
mundo. (2007, p. 29)
Outrora a humanidade entendia que quanto
maior renda ou riqueza de um país era melhor, garantindo uma nação rica,
entretanto a história nos mostrou o lado perverso da riqueza, em que alguns
prosperam e outros sucumbem à margem da sociedade financeiramente abastada.
Atualmente, o conceito de nação
desenvolvida é muito mais complexo, passando por critérios como expectativa de
vida, distribuição de renda, serviços de saúde pública, entre outros fatores, e
posteriormente a pandemia, outros fatores serão considerados, como o retorno
aos preceitos constitucionais humanistas, principalmente ao fazer um resgate de
medidas políticas em prol de garantir socialmente o mínimo existencial aos seus
cidadãos e tratamentos especiais às empresas de pequeno porte, garantindo assim
o respeito à dignidade da pessoa humana, conceito tão consagrado constitucionalmente,
assim como dispõe Carlos Ayres Britto:
Jungiu
o desempenho das atividades econômicas a coordenadas constitutivas de deveres
como a “defesa do consumidor” e “do meio ambiente”, “busca do pleno emprego” e
“tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País” (incisos V, VI,
VIII e IX do art. 170, nessa ordem). Sem deixar de dizer que todo o sistema
financeiro nacional só pode ser estruturado “de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade”
(art. 192) e que “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será
incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o
bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei
federal” (art. 219).
Tudo
isso e muito mais – como regime jurídico dos serviços públicos (art. 175), da
política agrícola e fundiária e da reforma agrária (arts. 184 e 186), da
seguridade social (art. 194 a 204), da educação, da cultura e do desporto (arts.
205 a 217), da ciência e da tecnologia (arts. 218 e 219), da comunicação social
(arts. 220 a 224) e do meio ambiente (art. 225) [...] Chegando ao requinte de
incluir no título devotado aos “Direitos
e Garantias fundamentais” situações jurídicas ativas que já correspondem àquela
noção do “mínimo existencial”, de modo a sobrepujar a própria cláusula
financeira da reserva do possível. Caso típico, inicialmente, do inciso LXXIV
do art. 5º., segundo o qual “o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Depois, o inciso IV do
art. 7º., determinante de que o salário mínimo seja fixado em ordem a atender
aos seguintes itens de despesas do trabalhador e sua família “moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social”. Itens de despesas que ela mesma, Constituição, designa por
“necessidades vitais básicas” não comportam desatendimento. Têm que ser
supridas como o epicentro mesmo da democracia social, por se tratar de lídima questão
de honra humanista. (2012, p. 97
a 98)
(IBGE, acesso em 14 de julho de 2020)
Para corroborar de forma prática o que Carlos
Ayres Britto elucida, no gráfico acima do IBGE, se pode verificar que medidas
que garantem o mínimo existencial, como o auxílio emergencial cobriram 38,7%
dos domicílios nacionais, chegando em algumas regiões, como Norte e Nordeste a
mais de 50%, sendo essencial para a distribuição de renda entre a população
mais carente.
Nesse sentido, é notório que a partir
dessa pandemia, a sociedade global estará apta a buscar com mais afinco a
humanização das normas e das políticas públicas, e a liberdade da população
será um bem a ser novamente conquistado, mas não apenas a liberdade de “ir e
vir”, mas a verdadeira liberdade, em prol do real desenvolvimento da nação,
assim como dispõe Amartya Sen.
O
desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de
liberdade; pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e
destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e
intolerância ou interferência excessivas de Estados repressivos. A despeito de
aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades
elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria. Às
vezes a ausência de liberdade substantivas relaciona-se diretamente com a
pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter
uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de
vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou
saneamento básico. Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se
estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por
exemplo a ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de
assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção
da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da liberdade resulta
diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes
autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social
política e econômica da comunidade. (2007, p.18)
Diante o exposto, Amartya Sen elenca que
a liberdade vai muito além do que se entende por esse termo em nossa sociedade
atualmente, e ainda elucidou de que a falta de liberdade principalmente
ocasionado por governos opressores podem levar o seu povo a terem graves
problemas socioeconômicos, bem como, ainda podem limitar o acesso a serviços de
saúde pública, de programas epidemiológicos e de assistência social, acarretando
um distanciamento da dignidade da pessoa humana.
6.
Conclusão
e as novas perspectivas para o futuro pós pandemia.
O
ano de 2020 ficará eminentemente marcado na história da humanidade por trazer à
tona os egoísmos e as fragilidades, mesmo das nações mais desenvolvidas e
poderosas da humanidade.
O
mundo literalmente sucumbiu e parou mediante o ataque invisível de um vírus
causador de uma grave doença pulmonar, altamente contagioso e expressivamente letal.
Mercados
mundiais entraram em quarentena, processos produtos paralisaram por semanas e a
humanidade se viu na esperança de que tudo isso fizesse parte apenas de um
pesadelo coletivo, entretanto milhares de pessoas faleceram e milhões foram
contaminados.
Nesse
período constantes medidas socioeconômicas de políticas públicas começaram a
serem implementadas nas principais economias mundiais, sendo trilhões de
dólares injetados simultaneamente para amenizar os efeitos dessa grave crise
mundial, e assim salvar o máximo possível de empregos e empresas das nações.
Um
cenário catastrófico se formou, em que fronteiras foram fechadas, economias se restringiram
por si mesmas, e nos demonstrou que o mundo esteve à beira de um colapso sem ao
menos ter uma nação que o liderasse, evidenciando um novo cenário político
mundial, em que as hegemonias foram colocadas em cheque, mas que outras nações
expoentes também não conseguiram ocupar as lacunas das influências políticas.
Organismos
mundiais como Organização Mundial da Saude – OMS se atrapalharam e também
tiveram pouca influência em um momento que necessitavam de coerência entre os
membros e principalmente falharam por não manter a liderança sanitária.
Esse
contexto colocou um sentimento único na humanidade, de impotência e
fragilidade, que por mais evoluídos que nos tornássemos, não somos ainda
plenamente eficazes aos seres mais primitivos da natureza, não importando quão
ricos ou poderosos forem nossos exércitos ou economias.
Milhões
de pessoas que ficaram isoladas sofreram com a efetiva falta de liberdade, e
muitos não podiam sair de suas regiões para se tratarem em outras que
possuíssem melhores condições sanitárias, sem contar os inúmeros problemas
mentais e psiquiátricos ocasionados nesse triste período.
Além
disso, muitas medidas implementadas não surtiram tantos efeitos econômicos,
sucumbindo economias europeias, asiáticas e americanas em uma retração sem
igual, desde a quebra da bolsa de valores de 1929.
Se
percebeu também que apesar da evolução das normas terem ocorrido conjuntamente
com a sociedade, em prol de respaldar e resguardar os interesses sociais e
econômicos da nação, muitas se mostraram ineficazes ou insustentáveis em termos
sociais e de resguardo a dignidade da pessoa humana nesse momento de crise.
Novamente
nesse contexto a figura do Estado se interpôs por intermédio de regulações
especiais, intervenções econômicas pontuais, auxílios assistenciais em respeito
ao mínimo existencial da população, entre outras medidas de apoio aos seus
cidadãos. Entretanto, nesse cenário, muitos agentes econômicos (entenda
empresas) não respeitaram as suas funções sociais, servindo de apoio negativo
ao Estado nesse momento tão desafiador, no entanto algumas outras empresas
tiveram consciência e mantiveram empregos e salários, e se tornaram “bem
vistas” aos olhos dos consumidores por respeitarem a dignidade da pessoa
humana. Mediante o supracitado é inegável que as empresas são os maiores
agentes econômicos da sociedade moderna, e por isso é importante norteá-las
afim de que sejam mais produtivas em suas características sociais.
Em
contrapartida a esse terrível cenário, empresas de tecnologias e de comércios digitais
observaram a valorização dos seus ativos, elevando seus lucros
exponencialmente.
É
notório que há um “novo normal” em nossa história humana, em que haverá a
efetivação dos preceitos do capitalismo social e da constituição humanista na pós
pandemia.
No
Brasil desde 1988 a Constituição Federal se inspirou significativamente nas
constituições econômicas e sociais europeias, tornando-se assim também uma
constituição socioeconômica em sua essência, com o Estado atuando na regulação
econômica de forma intrínseca, necessária e obrigatória para o ideal
desenvolvimento sustentável, pautados no respeito dos interesses sociais e da
dignidade da pessoa humana. Ou seja, o Estado atua e intervêm na econômica
quando necessário, em conformidade com os artigos 1°, 5º, 7º, 21, 173 e 174 da
Carta Magna, por meio de vários instrumentos de regulação, inclusive por
intermédio de seu órgão fiscalizador; o CADE.
O
Estado brasileiro respaldado pelo artigo 174 da Constituição Federal que
limitou a intervenção em três funções: fiscalização, incentivo e planejamento, instituiu
diversas medidas de políticas públicas em prol de amenizar os efeitos da
economia, como mencionado anteriormente, entretanto seus efeitos só poderão ser
notados efetivamente ao término da crise sanitária.
Todavia
as medidas de cunho social, em respeito ao mínimo existencial humano,
consagrado em maioria das nações capitalistas atingidas pela crise, demonstra
uma forte tendência ao conceito de conceder liberdade do cidadão por intermédio
de políticas públicas, para que o mesmo possa livrar-se minimamente das mazelas
que afligem sua sociedade naquele momento, concebendo assim uma nova concepção
de desenvolvimento social, assim como preceituado por Amartya Sen e outros
estudiosos.
Portanto,
conclui-se que a humanização das normas será uma tendência fortalecida pela
pandemia, em que o respeito ao ser humano e sua dignidade, de forma
constitucional e em cláusulas pétreas serão prioridade, bem como, a utilização
de políticas públicas de qualidade para manter a liberdade dos cidadãos de
forma democrática, para que iniciativas privadas também sejam corresponsáveis
pelo desenvolvimento da sociedade, concedendo meios dos cidadãos se
desenvolverem de forma plena, consequentemente ampliando a economia da nação,
mas com foco maior na qualidade de vida e na amplificação das políticas de
saúde pública epidemiológicas, educação e intervenções econômicas pontuais em
prol da defesa dos consumidores hipossuficientes.
Outrossim,
haverá claramente outros desafios correlatos nas formas de atuação e regulação
do Estado na Economia com a expressiva digitalização das transações econômicas,
nessa época em que tudo se torna obsoleto com maior rapidez, e que burocracias
não são mais aceitas, e para tanto se há movimentação com a Lei da Liberdade
Econômica, a nova Lei de Franquias (13.995/19), a Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (LGPD), possíveis estudos de regulação das criptomoedas e dos
algoritmos, entre outros assuntos pertinentes para a modernização da atuação do
Estado na Economia em prol do bem estar social, permitindo assim os órgãos
sempre permanecerem atualizados frente as novas tecnologias que despontam
diariamente.
Sendo
assim diversos interesses ainda estarão em constante atrito, mas a base humanista
será uma bússola da pós crise, isto posto, então sejam todos bem-vindos ao “novo
normal” da sociedade contemporânea e seus desafios atualizados pela pós
pandemia.
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