💢 Artigo em PDF

Jéssika de Aredes Miranda

Professora da rede estadual de Minas Gerais. E-mail: jessika_aredes@hotmail.com

 

Theles de Oliveira Costa

Professor Adjunto da UFMG. E-mail: thelescosta@ufmg.br

  

RESUMO

A gestão democrática da educação pressupõe a existência da participação conjunta da tríade escola-família-comunidade na definição das propostas pedagógicas, a fim de estabelecer um ambiente educacional de participação e transparência. Tendo em vista a efetivação dessa gestão na escola, este trabalho se propôs a analisar o processo de desenvolvimento e reestruturação do Projeto Político-Pedagógico (PPP) das instituições de ensino básico da rede estadual de Minas Gerais, com intuito de identificar e discutir os desafios na elaboração e implementação dos PPPs na perspectiva de uma gestão participativa, e avaliar se a participação da comunidade escolar torna a escola um espaço democrático e como esse processo está sendo efetivado. Para isso, foram consideradas as questões referentes ao significado de gestão democrática na educação e seu estabelecimento na Constituição Federal (Brasil, 1988) e nas leis nº 9394/96 e nº 13.005/14, discutiu-se a construção do PPP sob a ótica dessa gestão e como garantia dela. Em seguida, foram apresentadas as observações realizadas durante as reuniões de elaboração do PPP em uma escola específica, na cidade de Governador Valadares. Nesse processo, constataram-se inúmeras circunstâncias que comprovam as dificuldades de uma efetiva participação de toda a comunidade escolar no desenvolvimento do PPP e nas atividades realizadas pela escola, demonstrando que políticas públicas educacionais comprometidas com objetivos democráticos devem propor os meios adequados para a sua viabilização, além de levar em conta os diversos atores envolvidos no cotidiano escolar, pois a gestão democrática requer a reavaliação da estrutura didática e administrativa da escola atual.

 

Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico. Gestão Democrática. Ensino. Educação

 

ABSTRACT

The democratic management of education presupposes the existence of the joint participation of the school-family-community triad in the definition of pedagogical proposals, in order to establish an educational environment of participation and transparency. In view of the effectiveness of this management at school, this paper aimed to analyze the process of development and restructuring of the Political-Pedagogical Project (PPP) of basic education institutions of  Minas Gerais, in order to identify and discuss the challenges in the elaboration and implementation of PPPs from the perspective of participative management, and to evaluate if the participation of the school community makes the school a democratic space and how this process is being implemented. For this, we considered the issues regarding the meaning of democratic management in education and its establishment in the Federal Constitution (Brazil, 1988) and in laws No. 9394/96 and No. 13.005/14, the construction of the PPP was discussed from the perspective of this management and as a guarantee of it. Then, the discussions during the PPP preparation session at a specific school in Governador Valadares were presented. In this process, it was found several difficulties of effective participation in the whole school community in the development of PPP and in the activities performed by the school, demonstrating that educational public policies committed to democratic goals must propose the means for its feasibility, besides take into account the various actors involved in daily school life, as democratic management requires the reevaluation of the didactic and administrative structure of the current school.

 

Keywords: Political-Pedagogical Project. Democratic management. Teaching. Education

 

                                       

1.    introdução

 

O fim do regime militar e o processo de reestruturação do Brasil abriram o caminho para se pensar em uma educação de cunho democrático. A Constituição Federal (Brasil, 1988), em seus artigos 205 e 206, lança as bases para implementação da gestão democrática educacional, seguindo-se da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - nº 9394/96 e do Plano Nacional de Educação (PNE) - Lei 13.005/14.

Os princípios do direito educacional estão listados no artigo 206 da Constituição Federal, repetidos e ampliados no artigo terceiro da Lei nº 9.394/96. O inciso VI, do referido artigo, pode causar alguma confusão, uma vez que a expressão “gestão democrática” carece de definição e não se trata de uma norma de eficácia plena, mas que necessita de regulamentação (“na forma da lei”). O artigo 14 da LDB estabelece que essa gestão ocorrerá, a saber, através da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares e equivalentes. O PNE, em seu artigo 9º incumbe aos entes federados a regulamentação da gestão democrática na escola pública. Esse princípio, embora não definido e detalhado nesses documentos legais, visa integrar a sociedade à comunidade escolar (professores, funcionários, pais e alunos), a fim de melhorar a qualidade do ensino, através de fiscalização da direção, participação na prestação de contas e colaboração com as escolas.

O objetivo deste trabalho é identificar e discutir os desafios na elaboração e implementação dos PPPs na perspectiva de uma gestão participativa. Além disso, procura-se avaliar se a participação da comunidade escolar torna a escola um espaço democrático e como esse processo está sendo efetivado.

A construção de uma gestão democrática e participativa na escola perpassa a construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP), esta ferramenta de planejamento e avaliação, quando bem utilizada, busca definir a identidade da instituição, indicar os caminhos para ensinar com qualidade e garantir a aprendizagem e, por meio dela, o gestor envolve a todos na definição de metas e ações da escola. Assim, constitui-se uma equipe colaborativa para avaliar os diferentes aspectos da instituição, o que ela já fez, faz e como é possível melhorar. Dessa maneira, a administração escolar tem o desafio de garantir que as ações desenvolvidas na escola não se desprendam da sua atividade-fim, o processo pedagógico e de evitar o estabelecimento de uma concepção burocrática de gestão, em que a direção tem função de controle e não há unidade entre as ações pedagógicas e os agentes.

Este trabalho está fundamentado, principalmente, nas concepções sobre PPP e gestão democrática de Veiga (1998, 2003, 2009) e Carvalho (2015) e nas orientações recebidas da Secretaria Estadual de Ensino para a realização dos itinerários avaliativos no ambiente escolar.

Inicialmente foram apresentados pontos sobre as leis que estabelecem a democratização da gestão escolar e sua relação com a participação da comunidade. Depois, discutiu-se como o desenvolvimento do PPP está inserido nesse processo de ampliação da administração da escola, visto que esse documento é entendido como de fundamental importância para o estabelecimento de uma escola democrática e como espaço para práticas de gestão participativa e, por fim, abordou-se o uso dos itinerários avaliativos, pela rede estadual de Minas Gerais, como guia na reestruturação dos PPPs das escolas, e sua eficácia ou não na implementação de uma gestão participativa no contexto escolar, a partir da observação desse processo em uma escola específica.

 

2.    Referencial teórico

 

2.1.       Gestão democrática na educação e projeto político-pedagógico

A gestão democrática está prevista tanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - nº 9394/96) quanto no Plano Nacional de Educação (PNE - nº 10.172/01), tornando-se imprescindível para a administração da escola.  A LDB estabelece dois princípios fundamentais e regulamentadores dessa gestão, a saber: a) Elaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) pelos profissionais da educação e b) Existência de conselhos escolares que incluam membros da comunidade escolar e local. Dessa forma, o PPP é compreendido como importante instrumento de democratização da educação, uma vez que esse documento ajuda a construir a identidade escolar e “compreender a cultura da escola e dos seus processos, bem como articulá-los com as relações sociais mais amplas” (DOURADO, 2006).

A educação escolar é elemento indispensável para o desenvolvimento da cidadania e garantia da participação de todos, nos espaços sociais e políticos. O processo acelerado de transformação do mundo através da globalização proporcionou o desenvolvimento da ciência e tecnologia, e o estabelecimento de novas estruturas econômicas e de trabalho; como organização social, a escola é uma das entidades que irá refletir e acompanhar todas essas mudanças, Russo (2016). Ao comprometer-se com a qualidade da educação – gestão – e princípios definidos coletivamente – democracia – é vista como um espaço para a formação de cidadãos responsáveis, conscientes e críticos. Veiga (2003) afirma que a preocupação fundamental do sistema educativo é a melhoria da qualidade da educação, uma vez que o educando deve estar apto ao exercício da cidadania e do trabalho, desenvolvendo-se como pessoa e constituindo-se sujeito social.

Uma concepção ampla de gestão democrática abrange as dimensões pedagógica, administrativa e financeira, pressupondo a socialização do poder no ambiente escolar, repensando a estrutura que rege as decisões/ações administrativo-pedagógicas e garantindo a participação coletiva e a autonomia da escola, a fim de viabilizar políticas públicas educacionais criadas pelos próprios sujeitos, sem imposições externas. Nessa perspectiva, o projeto político-pedagógico é resultado de um engajamento coletivo, que busca agregar as ações com vista a um propósito comum desenvolvido pelos diversos protagonistas, que viabilize a construção de uma prática eficiente (VEIGA, 2003).

O diretor/gestor é a pessoa responsável por coordenar todo o esforço/trabalho coletivo para atingir os objetivos da instituição. Entretanto, existem diversas dificuldades para a concretização de uma gestão participativa: falta de comprometimento dos gestores, falta de harmonia entre professor e gestor, mudanças de gestores que acarretam descontinuidade de processos, Carvalho (2015). Fala-se em participação dos sujeitos, mas não há uma definição clara de comunidade, nem de como seus membros atuariam.

Ainda persiste nas escolas a centralização da figura do diretor, além disso, a gestão democrática precisa de atitude e método, pois o efetivo exercício da democracia requer meios participativos organizados. Para que a escola estatal seja verdadeiramente pública, é preciso que haja participação da comunidade escolar interna e externa em todas as decisões e ações administrativas, Gadotti (2016). Isso requer envolvimento cotidiano no ambiente escolar, na administração da escola e conhecimento dos

“meandros que envolvem as políticas públicas em educação e o limite de sua autoridade/responsabilidade como membros constitutivos desse processo, [pois] corre-se o risco de que se formem apenas grupos desconexos que somente recebem e cumprem as decisões de ‘cima para baixo’” (CARVALHO, 2015, p.8).

 

3.    METODOLOGIA

 

Sob a concepção de gestão democrática este trabalho tenciona avaliar o desenvolvimento do PPP através dos itinerários avaliativos propostos pela Secretaria de Educação de Minas Gerais em uma escola estadual na cidade de Governador Valadares, através do acompanhamento e observação das reuniões de elaboração desse documento. Tais reuniões ocorreram quinzenal e/ou mensalmente durante os meses de março e setembro de 2019, os profissionais envolvidos eram as especialistas (supervisoras), responsáveis pela condução das reuniões, e os professores.

 

3.1.       Os Itinerários Avaliativos e a construção do PPP

Os itinerários avaliativos reúnem procedimentos com o objetivo de realizar análises de dados e debates para avaliação interna das escolas estaduais de educação básica em Minas Gerais. Além de subsidiar a elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos, com vistas à formulação e à efetivação de ações pedagógicas mais assertivas para melhoria da qualidade da educação e que levem em conta o contexto de cada escola.

Os itinerários, Figura 1, distribuem-se conforme as três partes do PPP:

Figura 1: Estrutura do PPP


Fonte: Elaborada pela autora, com base nos documentos de MINAS GERAIS, 2019

São treze itinerários que visam apoiar a escola no diagnóstico das dimensões que impactam a aprendizagem. Essas dimensões foram sintetizadas em 4 eixos: relação da escola com a comunidade, direito à aprendizagem, gestão democrática e participativa e fortalecimento do trabalho coletivo. O resultado dessas discussões é usado como base para a definição de ações a serem implementadas, compondo o plano de ação da escola. A realização desse conjunto de itinerários pressupõe um papel mais ativo e o fortalecimento do trabalho coletivo na gestão da escola, os eixos estão sumarizados conforme a Figura 2:

 

Figura 2: Eixos


Fonte: Elaborada pela autora, com base nos documentos de MINAS GERAIS, 2019

 

Cada itinerário é liberado em determinada data, conforme cronograma da Secretaria Estadual de Educação e todos os documentos elaborados pela escola são enviados para o Sistema de Monitoramento, para acompanhamento dos gestores das Secretarias Regionais de Educação e do órgão central. Os treze itinerários devem ser realizados em encontros e discussões com os integrantes da unidade educativa, a fim de construir uma imagem coerente e precisa da realidade escolar. São diversos questionários que abrangem diversas áreas da escola, a Figura 3 resume a abordagem de cada um deles:

 

Figura 3: Itinerários avaliativos

Itinerário 1 - Preparação e orientação para o uso dos Itinerários Avaliativos: Este itinerário tem o objetivo de preparar os profissionais para o processo de implementação dos Itinerários Avaliativos, assim como sensibilizá-los sobre a importância do planejamento, expressa pela revisão do Projeto Político-Pedagógico, e da cultura de diagnóstico e melhoria contínua do ensino e da aprendizagem.

Itinerário 2 - Revisão do Projeto Político-Pedagógico da escola: construção do Marco Referencial: Este itinerário orienta o processo necessário para a reflexão e definição do posicionamento da escola, de modo a guiar a revisão do Projeto Político-Pedagógico.

Itinerário 3 - Sujeitos da aprendizagem, contexto socioeconômico e territórios escolares: Este itinerário tem como objetivo propor o conhecimento do território no qual o estudante se constitui como sujeito social, de modo a relacioná-lo com o território escolar e, assim, estabelecendo diálogo entre as territorialidades sujeito-escola e as aprendizagens.

Itinerário 4 - Relações interinstitucionais: família, comunidade e sociedade: Este itinerário indica a reflexão sobre as relações da escola com a família, os responsáveis pedagógicos, as instituições da comunidade e da sociedade, de modo a propor discussões acerca do impacto dessas relações na aprendizagem dos estudantes.

Itinerário 5 - Análise de desempenho, rendimento (fluxo) e frequência dos estudantes: Este itinerário tem o propósito de promover a análise e a discussão em torno dos resultados das avaliações externas e internas (diagnóstica e intermediária); estimular a análise e a reflexão coletiva acerca das competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes, com base nas matrizes de referência dos componentes curriculares avaliados externa e internamente e no Currículo de Referência de Minas Gerais; e possibilitar a análise e o debate sobre indicadores de rendimento (fluxo) e dados de frequência dos estudantes.

Itinerário 6 - Diversidade e inclusão na aprendizagem: Este itinerário objetiva subsidiar o entendimento acerca da correlação entre os temas transversais – educação das relações étnico-raciais, educação e direitos humanos e educação ambiental – e os processos educacionais, de modo que as particularidades próprias de cada tema sejam abordadas e consideradas ao longo de todas as etapas e modalidades de ensino na composição do currículo, auxiliando na construção didática e metodológica constituinte do fazer pedagógico da educação básica.

Itinerário 7 - Impacto da violência nas expectativas de aprendizagem: Este itinerário se pauta nas percepções sobre o impacto da violência nas expectativas de aprendizagem, de modo a incorporar essa discussão ao dia a dia da escola, tendo em vista ser uma questão comumente relatada por profissionais da escola.

Itinerário 8 - Ambiente participativo: Este itinerário visa a contribuir para a discussão sobre a participação da comunidade escolar nas tomadas de decisão da gestão escolar. A intenção é promover um debate acerca da comunicação e da participação de alunos, professores, colegiados e conselhos de classe na gestão escolar.

Itinerário 9 - Participação e formação dos professores: Este itinerário tem por objetivo promover uma discussão em torno do engajamento e da participação dos professores e o seu comprometimento com o trabalho coletivo dentro da escola, assim como o seu impacto para o desenvolvimento da aprendizagem.

Itinerário 10 - Síntese do diagnóstico e definição de prioridades: Este itinerário visa a promover a síntese do resultado das discussões anteriores, com base na sistematização das questões analisadas e debatidas, de forma que, no momento de sua execução, sejam formuladas recomendações para o plano de ação, definindo as prioridades de trabalho a serem elencadas.

Itinerário 11 - Definição e validação do Plano de Ação: Este itinerário apresenta uma metodologia para a definição do Plano de Ação da escola. Indica os profissionais envolvidos e as linhas gerais das ações a serem implementadas a partir das deliberações – O que será feito? Por que será feito? Como será feito? Quando será feito? Quem irá fazer?.

Itinerário 12 - Detalhamento do Plano de Ação: Este itinerário tem os objetivos de consolidar as ações propostas e possibilitar que todos os envolvidos tenham conhecimento das atividades e tarefas que compõem cada uma das ações desenhadas.

Itinerário 13 - Monitoramento e avaliação do Plano de Ação: Este itinerário visa a colaborar com a definição de como ocorrerá o monitoramento de sua execução, indicando formas de acompanhamento das tarefas previstas, assim como da sua efetividade. Além disso, detalha os procedimentos para promover ajustes e correções de rumos no plano de ação ao longo de sua execução.

 Fonte: Elaborada pela autora, com base nos documentos de MINAS GERAIS, 2019

Este trabalho compreende os itinerários que tratam especificamente da construção do PPP, sem detalhar o Plano de ação. É possível verificar – no Anexo A – o documento, elaborado pelas especialistas da escola, que sintetiza os principais pontos discutidos durante a realização dos dez primeiros itinerários (exceto 1 e 2, reuniões de preparação e 10, reunião de revisão e sistematização das discussões).

 

RESULTADOS e discussões

 

Para elaborar um projeto pedagógico com efetividade, além de conhecer a fundo o contexto social local, a escola deve fazer balanços periódicos, que indicarão quais correções devem ser feitas ao longo do processo de execução/operacionalização. A participação dos diversos atores envolvidos – professores, gestores, pais de alunos – contribui para o enriquecimento do debate. Ao refletir sobre sua prática e estabelecer um objetivo comum, resultado de uma construção coletiva e crítica, a comunidade escolar conseguirá vislumbrar quais são as suas aspirações, como concretizá-las e como suprir as lacunas já existentes na realidade atual.

Os itinerários avaliativos são guias para que a escola possa avaliar, planejar e agir em direção aos objetivos estabelecidos no PPP, visto que eles presidem a organização do trabalho educacional. Os integrantes da unidade educativa vão, então, proceder a uma análise cuidadosa e criteriosa das peculiaridades/características da escola e das experiências bem-sucedidas e dificuldades na concretização da aprendizagem, numa perspectiva alinhada à realidade da escola.

A experiência do processo de construção do PPP a partir dos itinerários avaliativos, em uma das escolas estaduais de Governador Valadares, tem se mostrado bastante diversa daquilo que é proposto, são inúmeras circunstâncias que comprovam as dificuldades de uma efetiva participação de toda a comunidade escolar no desenvolvimento do PPP e nas atividades realizadas pela escola. A Figura 4 expõe algumas dessas situações observadas durante as reuniões, divididas em quatro blocos: atraso, falta de conhecimento, informações deficientes e falta de participação.

 

Figura 4: Observações

Atraso

Há atraso na liberação das instruções dos itinerários no próprio sistema, o que prejudica o cronograma e afeta a presença dos professores, com a alteração desordenada dos dias previstos para realização das reuniões.

Falta de conhecimento

A rotatividade de professores, pois em sua maioria não são efetivos, inibe o desenvolvimento de um projeto que leve em consideração a realidade local da escola, uma vez que muitos deles estão trabalhando pela primeira vez ali e não conhecem essa realidade, nem a comunidade e a clientela escolar.

Informações deficientes

Reclamação generalizada dos professores, a respeito de perguntas que não são da sua alçada, sobre a comunidade e índices a que ele não tem acesso (como resultados/estatísticas sobre participação, etc.).

Em muitos casos, os professores vão fazer uso de respostas “padrão”, ou eufemismos, que contenham “aquilo que o governo quer ouvir”, pois na prática, eles são orientados a não construir uma “imagem ruim” da escola, nem da comunidade que a circunda.

Falta de participação

Não há participação dos Assistentes Técnicos de Educação Básica (ATB), Auxiliares de Serviços de Educação Básica (ASB) e do diretor nas reuniões, mesmo que ela esteja prevista nas orientações da Secretaria de Educação.

A participação dos alunos é restrita às respostas de alguns questionários feitas pelos líderes de turma.

Não há participação dos pais de alunos.

Durante o sábado letivo, chamado de Dia do Currículo, em que as escolas estaduais de Minas Gerais abriram as portas para a comunidade participar com o objetivo de debater a elaboração do Currículo Referência do Ensino Médio e discutir a reformulação dos Projetos Político- Pedagógicos (PPP), a participação das famílias foi irrisória, alguns pais chegaram a assinar a lista de presença e se retirar, mesmo com a oferta de “atrações” (café da manhã, massagem, apresentação de dança) pela escola, que visavam garantir maior engajamento.

 Fonte: Elaborada pela autora

A visão dos processos de planejamento como apenas uma exigência burocrática reflete em toda a concepção do projeto pedagógico e entendimento sobre função da escola e do docente. Entre reuniões improdutivas e sem conclusões, produção de documentos para satisfazer o governo e garantir a eficiência organizacional, a discrepância entre o discurso e a realidade escolar tem produzido uma idealização que afasta cada vez mais a realidade concreta da escola e a possibilidade efetiva de alcance dos objetivos almejados.

Não há participação da comunidade externa na resolução dos problemas ou mesmo a tomada de decisão conjunta entre os membros de cada um dos segmentos escolares – a saber: pais, funcionários, alunos, professores e gestores. Um exemplo característico dessa realidade pôde ser observado durante a aplicação do Itinerário 8, em que dos oito espaços de participação e gestão democrática citados diretamente – Associação de Pais e Mestres; Colegiado Escolar; Conselhos de Classe; Conselho de Representantes de Turma; Grêmio Estudantil; Coletivos Juvenis; Assembleia Escolar; Assembleia de Turma –, apenas três existem na escola, a saber: Assembleia Escolar, para prestação de contas, Colegiado Escolar e Conselhos de Classe.

 

4.    ConsideraçÕes finais

 

A elaboração de um projeto político-pedagógico fruto de uma gestão democrática da educação requer um ambiente educacional autônomo (capaz de criar soluções próprias), participativo (tomada conjunta de decisões) e autorregulador (avaliação contínua de impactos das ações realizadas). Dessa forma, toda a comunidade escolar toma consciência da importância de sua participação na defesa dos direitos coletivos e de um sistema educacional mais justo, ao apropriar-se do ambiente decisório e participar das deliberações do cotidiano da escola.

Como demonstrado nas observações descritas, a escola não tem se consolidado como ambiente aberto e um espaço para a comunidade. Se a melhoria da qualidade educacional está relacionada ao ambiente de atuação coletiva e à quão ativa essa comunidade é, percebe-se um desarranjo entre a teoria e a prática.

Muitas vezes, a elaboração do PPP é tida como uma quebra da rotina, um processo burocrático e não democrático, restrito ao atendimento das determinações da secretaria de educação, sem mudanças significativas na cultura escolar. Para os gestores é difícil conseguir participação direta das famílias dos alunos e os educadores querem manter-se apenas cumprindo suas funções específicas, o que prejudica o desenvolvimento do trabalho e gera um discurso esvaziado de ação.

Os mecanismos para uma maior participação existem, mas não são utilizados de forma eficaz. Como observado, a participação de alunos, pais e demais funcionários da escola (excetuando-se diretor, professores e especialistas) não é significativa, e mesmo estes, não participam ativamente de todas as decisões.

A democratização da escola e de suas práticas sociais não se efetiva por meio de leis e decretos, todavia requer que as decisões tomadas nasçam de discussões coletivas que envolvam todos os segmentos da instituição, pois é preciso que a escola assuma a postura de uma organização que não inibe a participação de educadores, funcionários e alunos nos processos decisórios, tendo a preocupação de analisar os limites e possibilidades dos projetos a serem implantados e realizando a implementação das propostas na escola – que deixam de existir apenas na legislação – através de meios adequados, que viabilizem a realização dos procedimentos democraticamente. Esse processo poderá se completar através da reavaliação da estrutura didático-administrativa e formulação de políticas públicas educacionais que considerem os atores envolvidos no cotidiano da escola, visto que a instituição educativa é regida por indicadores de desempenho e avaliação de resultados, mas não deve atuar como mera executora de normas, sem produzir mudanças efetivas nos processos rotineiros.

 

Referências

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>, acesso: 28 jan. 2019.

 

­________. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm>, acesso: 28 jan. 2019.

 

________. Lei n° 13.005/2014, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Brasília, 2014. Disponível em: <pne.mec.gov.br>, acesso: 28 jan 2019.

 

CARVALHO, Jeferson Luís Marinho de. PNE (Plano Nacional da Educação) 2014-2024: a gestão democrática na educação se faz presente? HOLOS, ano 31, vol. 8, 2015.

 

DOURADO, Luiz Fernandes. Gestão da educação escolar. Centro de Educação a distância, Brasília: Universidade de Brasília, 2006.

 

GADOTTI, Moacir. Dimensão política do projeto pedagógico da escola. Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais. Diretoria de Capacitação de Recursos Humanos PROCAD – Projeto de Capacitação de Dirigentes - Fase Escola Sagarana, 2016. Disponível em: <http://portal.iadebrasil.com.br/pos/biblioteca/alfabetizacao-letramento/moduloI>, acesso: 22 jun. 2019.

 

MINAS GERAIS, Secretaria de Estado de Educação. Itinerários avaliativos de Minas Gerais, SIMAVE, 2019. Disponível em: <http://itinerariosavaliativos.educacao.mg.gov.br>, acesso: 20 jun. 2019

 

RUSSO, Miguel Henrique. Planejamento e burocracia na prática escolar: sentidos que assumem na escola pública. RBPAE - v. 32, n. 1, p. 193 - 210 jan. /abr. 2016.

 

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, p.11-35, 1998.

 

________. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou emancipatória? Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, 2003.

 

________. Projeto político-pedagógico e gestão democrática: novos marcos para a educação de qualidade. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 163-171, jan. /jun. 2009.



ANEXO A – Pontos de melhoria detectados pelos itinerários avaliativos






Recebido em 03 de agosto de 2020
Publicado em 28 de agosto de 2020


Como citar este artigo (ABNT)

MIRANDA, Jéssika de Aredes. COSTA, Theles de Oliveira. A Construção do Projeto Político-Pedagógico como Instrumento de Gestão Democrática na Escola. Revista MultiAtual, v. 1, n.4., 28 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.multiatual.com.br/2020/08/a-construcao-do-projeto-politico.html